O aluno levanta e vai apontar o lápis: mero pretexto para olhar pela porta. Há tanta liberdade entre aquela porta e os altos muros da escola. É a liberdade suficiente para nada fazer… melhor do que nada fazer em sala de aula. Tanto espaço livre, pensa o aluno, embora a falta de perspicácia embaralha sua mente quando tenta mensurar o quanto de espaço realmente há.
A matemática não lhe serve agora, sua matemática. Realmente matemática alguma lhe serve ou outra matéria qualquer. Tudo o que interessa naquela hora inteira é aquele espaço vazio. “Vazio”, pensa ele, “vazio tão vazio quanto minha cabeça”.
Ele devaneia enquanto o lápis diminuiu potencialmente sem que ele perceba. Do outro lado a professora resmunga alguma coisa impossível de ser entendida pelos seus ouvidos naquele instante. Aquele curto momento transcende seu motivo de existir. Todo aquele espaço e um muro.
Que liberdade preguiçosa para perder-se no celular! Pelo menos algum traço de sinal há na escola e qualquer coisa na celular é mais interessante que aquela aula chata.
A professora gesticulada alguma reprovação apontando para a pastinha, aquele artificio de papel que controla o comportamento dos alunos.
A professora ainda acredita no controle da nota, o aluno acredita naquele espaço vazio que o pátio oferece. Ele quase chora e seus pés se movem levando seu corpo. A professora esbraveja e a turma grita. O aluno corre saltitante, alegre, com a liberdade loucamente inflando-lhe o peito.
Todos à porta observam aquele selvagem, aquele bárbaro, aquele pobre menino feliz que surrupia da ordem o pretenso controle que a escola quer lhe impor. Há um frenesi estremecendo o corredor da liberdade e contagia os olhares dos outros alunos.
De um salto ele alcança o cume do muro e vê a vitória brilhar na sua decisão. Ele olha para trás: professores, alunos e direção. Um gesto de dedo único e o troféu da liberdade n’algum palavrão muito bem encaixado ao momento.
Um impulso para outro lado e dois passos corridos para além da calçada. Ouve-se uma buzina, pneus arrastando o asfalto, o barulho de carne sendo jogada para cima.
No chão o sonho da liberdade se espalha em tom rubro pintando uma tela que resume o texto estudado em sala de aula: a escola serve para quê?