Psicóloga Jéssica Horácio – CRP 12/14394
Psicoterapeuta Corporal e Tanatóloga
Você já ficou de mal com a vida? Eu garanto que sim, e que está tudo bem. Eu e você e grande parte da humanidade já acordamos de mau humor, tem quem diga que fulano acordou com a “pá virada”, que está “emburrado”, há quem fale que a pessoa está “azeda” ou, “amarga”. Bom, a verdade é que tanto faz porque a sensação de desgosto é a mesma.
O fato é que a nossa vida é cíclica, mas não linear como alguns indivíduos acreditam que ela é. Basta nos lembrarmos que somos seres humanos, que um dos componentes que nos constitui é o aspecto emocional, ou seja, que possuímos a capacidade de ser afetados por aquilo que ocorre dentro e fora de nós.
Essa conversa parece bem óbvia, não é? Só que às vezes nós nos esquecemos do que é óbvio e agimos como se fôssemos um robô que não possui sensações, percepções e sentimentos. Se lembra daquele dia em que você não se permitiu sentir a tristeza que habitava dentro de si? Lembra daquela vez em que você precisava de um colo mas tudo o que fez foi colocar esta necessidade num lugar inacessível e oferecer colo para um outro alguém? Ah, e se lembra quando você fingiu que estava tudo bem quando na verdade estava acontecendo um furacão dentro de si? Pois é. Cadê a obviedade de que somos humanos nestas situações?
O fato é que o mundo não para de girar para a gente se recuperar das nossas dores, e é exatamente por isso que muitas e muitas vezes seguimos fingindo que não há dor, como se para continuar em movimento fosse necessário esconder o que habita dentro de nós.
É assim que vamos nos distanciando dos nossos sentimentos, daquilo que nos faz humanos, e vamos desaprendendo a conviver com a tristeza, raiva, frustração, cansaço, angústia… Aprendemos a viver somente diante da alegria.
Inúmeras filosofias pregam a gratidão como um exercício diário, outras evidenciam a importância da alegria constante, há ainda algumas culturas que defendem a motivação como um parâmetro para ser bem tratado. Contudo, tudo aquilo que é radical esconde um profundo senso de exigência. Não é todo mundo que consegue diante de um luto vivenciar o sentimento de gratidão. Pessoas que sofrem perdas profundas apresentam muita dificuldade em se conectar com a motivação constante. E pessoas que não sofreram perdas profundas também apresentam esta mesma dificuldade e está tudo bem.
Já ouvi pessoas me dizerem que não poderiam assumir a tristeza que estavam sentindo por uma perda para não atrapalhar a sua vida profissional, outras já me falaram que somente seriam felizes quando parassem de sentir cansaço. Ou seja, há uma crença de que não podemos adaptar o nosso dia às nossas emoções, que para vivê-los é necessário estarmos constantemente felizes e tranquilos.
Então eu gostaria de trazer pra você uma perspectiva diferente desta que acaba reforçando a nossa imaturidade emocional: ao invés de nos exigirmos gratidão o tempo todo, motivação, alegria e entusiasmo, que tal acolhermos qualquer outra emoção que aparecer? E mais, o que você acha de trocarmos o “ser feliz” por “estar feliz”? Quando aprendemos que não somos, mas que estamos, nos permitimos acessar melhor as emoções que convivem conosco.
Estar feliz não precisa ser uma regra para que continuemos em movimento, é fundamental que aprendamos a nos movimentar mesmo quando a tristeza aparece, quando a raiva dá as caras, quando a angústia se instala. Tudo o que é aceito ganha livre fluxo para ser escoado e elaborado. Quando aceitamos toda e qualquer sensação, automaticamente passamos a respeitar as nossas condições emocionais daquele momento e diminuímos a possibilidade de desenvolvermos alguma crise de ansiedade e de estresse, afinal, não nos colocaremos em situações que vão contra as nossas limitações.
Aceitar que a vida não está exatamente como se gostaria é um sinal de maturidade, e de preservação da nossa saúde mental. A vida não pode ter sentido somente quando está encaixada dentro de um padrão emocional aceitável, ela precisa ter sentido através de todas as emoções, sensações e estados de humor.
Está tudo bem não acordar feliz ou motivado porque a vida não depende desses dois estados para funcionar.