Jéssica Horácio de Souza – CRP 12/14394 – Psicóloga e Psicoterapeuta Corporal
Somos condicionados desde crianças a vivermos em um mundo cheio de regras, aprendemos desde cedo que nem todos os nossos desejos podem ser realizados, que algumas das nossas vontades – por mais que nos tragam bem estar – não podem ser atendidas. Embora as frustrações sejam fundamentais na vida de qualquer indivíduo, pois é a partir delas que cada um tem a oportunidade de aceitar a realidade e ou transformá-la de acordo com as condições que lhe são possíveis, sabe-se que o uso excessivo de “nãos” compromete significativamente o enfrentamento das adversidades além de tolher a espontaneidade humana.
Além disso é importante compreender que a frustração às vezes vem acompanhada da repressão, o que provoca danos ainda maiores na estruturação da personalidade. A frustração é o “não” em si (“Eu não quero que você…”, “Eu não deixo você…” , “Eu não permito que você…”, “Você não pode…”), já a repressão é a punição que surge devido ao desejo do outro não ser compatível com o meu naquele momento, e ela geralmente vem acompanhada da sensação de humilhação.
As vezes, as pessoas se encontram tão acostumadas a receber “nãos” que nem se questionam do porquê dele, não revêem suas crenças, e assim passam também a dizer “não” porque foi assim que também foram educadas, dizem inclusive que foi através das repressões que se tornaram adultas, porém não consideram que ser adulto nada tem a ver com se tornar rígido, mas sim com se tornar espontâneo com os próprios desejos. Para essas pessoas, geralmente ser adulto significa ser rígido, autoritário e punitivo, o que acaba fomentando uma crença negativa e castradora a respeito de se tornar adulto. E assim passam a reproduzir um ciclo de repressão onde interrompem e punem qualquer manifestação de espontaneidade seja consigo ou com os outros.
Agora, imagine você em uma relação onde a cada expressão de sentimento você é recebido com indiferença e descaso, ou onde o pai, a mãe, os amigos ou o (a) parceiro (a) não valorizam a sua demonstração de afeto, ridicularizam suas necessidades na relação e oprimem os seus desejos. Como você se sente quando se imagina neste contexto?
Na psicologia utilizamos o termo “castrado” para nos referir àquilo que é impedido de ser realizado. A mãe castra o filho quando não permite que ele brinque com os amigos para não se sujar, o marido castra a esposa quando se mostra indiferente frente as demonstrações de afeto dela, a namorada castra o namorado quando não permite que ele faça um programa com os amigos. Somos castrados quando nossos desejos são bloqueados, desqualificados, tratados com descaso ou quando são repreendidos.
A criança, quando tem seu desejo impedido de ser realizado e é punida ou humilhada por manifestá-lo, passa a ter medo de expressar as suas vontades, e pode inclusive vir a desqualificar também o que sente, se tornando assim uma pessoa rígida e severa consigo, lutando contra as suas próprias pulsões de vida. Nas relações, geralmente essas pessoas escondem o que sentem, entram em jogos psicólógicos e fingem não se importar com a frieza emocional do outro. Fazem isso porque temem ser rejeitadas uma vez que aprenderam que quando expressam o que sentem são punidas e desvalorizadas.
Com isso internalizamos que para não sermos punidos ou rejeitados, precisamos calar os nossos sentimentos e de forma alguma demonstrá-los. É desta forma que deixamos de ser espontâneos e nos tornamos indivíduos regrados, polidos, submissos, manipuláveis, e, como consequência desenvolvemos uma sensação de cansaço devido a falta de apropriação de quem somos e à negação das próprias vontades em prol de satisfazermos o outro e ou, para não sermos punidos por ele.
O medo da rejeição geralmente é um dos fatores que reforçam a crença de que “é melhor não sentir” uma vez que sentir implica em demonstrar. É através do medo da rejeição que se estabelece quando o indivíduo é repreendido por demonstrar suas vontades/sentimentos, que ocorre a negação deste sujeito nas relações. Por isso é tão importante identificar onde está a nossa voz nos relacionamentos dos quais fazemos parte e perceber se estamos negando os nossos desejos mais básicos por medo de sermos repreendidos e ou rejeitados.
Assim podemos entender que todo afeto pode ser demonstrado, que não há nada de errado ou prejudicial em querer dar um abraço em quem se gosta, que não há nenhum problema em dizer: “Eu preciso de mais atenção nesta relação.”, em discordar do outro: “Eu não quero ir.”, em demonstrar o que sente pelo o outro: “Eu amo você.”.
Quando desconstruímos as crenças que se instalaram no passado e que impedem que nos posicionemos, passamos a elaborar com propriedade o medo de sermos rejeitados com base no momento atual. Ás vezes o outro quer que nos posicionemos, mas os medos da infância nos impedem de nos expressarmos com espontaneidade. Contudo, mesmo que o outro não queira nos auxiliar na satisfação das nossas vontades, temos a oportunidade de repensar os benefícios de permanecermos em uma relação onde não podemos ser nós mesmos. Por isso se questione: De que forma eu estou participando desta relação? Eu estou sendo honesta comigo e com o outro? De que forma tenho comunicado ao outro as minhas preferências?
Não se sufoque com as palavras que você insiste em esconder por medo de não ser compreendido (a). Toda que vem que você expressa o que sente você assume quem é perante o mundo e abre possibilidades para encontros onde seus desejos possam ser realizados.