Psicóloga Jéssica Horácio – CRP 12/14394 – Psicoterapeuta Corporal
“(…) Hoje uma cliente foi soletrar o email dela por telefone e começou: “C de cachorro, R de rato, E de elefante, S de saudade..”. Fiquei surpreso, a tendência era ela ter dito “S de sapo”, já que ela estava usando animais, mas não, saiu um “S de saudade”. Eu quase respondi “eu também.. eu também”.” – Bruno Fontes
A saudade é um sentimento que está relacionado ao que já passou, àquilo que foi vivido e que se encontra na história de cada um, que está no tempo passado. Este sentimento pode ser positivo que é quando nos recordamos de alguma lembrança marcante e conseguimos voltar ao momento presente sem sofrimento, ou pode ser negativo quando se refere aos momentos em que as recordações trazem danos para o presente, às vezes inclusive paralisando a própria vida numa tentativa de retornar à lembrança passada.
Este sentimento nos lembra do que foi bom ao nosso ponto de vista e, tem o intuito de reproduzir os mesmos no aqui e no agora. Contudo, não são todas as saudades que podem ser reproduzidas no presente, nem todos os encontros podem ser reencontrados, revividos, revisitados. Isto porque a saudade lida com um fator muito particular que é o desconhecimento com relação ao futuro. Como ela conhece somente aquilo que for vivido, não tem controle sobre como estará o futuro, portanto não cabe a ela a arte das revivescências.
Por ser um sentimento, ela não cabe no espaço das razões e por isso, quando se vincula a carência, não lembra dos motivos que fizeram com que nós partíssemos daquelas situações prazerosas no passado. O relacionamento era unilateral embora houvesse alguns momentos prazerosos, isto a razão sabe, mas a saudade somada a carência somente recorda dos momentos agradáveis dentro da relação, esquece a parte do sofrimento presente na realidade do passado. O chefe era abusivo embora desse aumentos de salário constantemente, a razão sabe perfeitamente que os abusos foram o motivo da saída do emprego, mas a saudade dos colegas daquela empresa somada a carência de se sentir útil profissionalmente somente lembram dos aumentos na folha de pagamento no fim do mês.
Esquecemos dos danos vividos porque a ânsia por um preenchimento afetivo se sobressai, principalmente quando encontra registros na memória de momentos felizes dentro deste contexto. O amor próprio nesse caso fica escondido no meio da presença da carência e da saudade. É assim que as pessoas retornam aos relacionamentos dos quais elas mesmas saíram por não serem correspondidas, voltam a solicitar o emprego para o chefe que as abusou de alguma forma.
“Dessa vez será diferente!”, “Eu não fui tolerante!”, “Agora vou manter o foco na parte boa e deixar de lado a ruim…”. E assim repetem um ciclo de submissão, auto sabotagem, falta de amor próprio, insatisfação. Enquanto aceitarem continuar recebendo aquilo que as prejudicava no passado, permanecerão insatisfeitas e tentando compensar a própria infelicidade através de alguns pontos positivos que encontram. Em vão.
Ás vezes confundimos a nossa saudade, pensamos: “Que vontade de voltar naquela festa para dançar aquela música de novo!”, quando na realidade saímos da festa sem dançar a música mais uma vez porque já estávamos com muito sono e dores nos pés. O que queremos é somente dançar aquela música, mas sem os eventos que não permitiram que isso ocorresse no passado. E veja bem, dançar sem sono e sem dor pode ser feito tranquilamente no presente.
É necessário confiar nas razões por trás das próprias escolhas para que os sentimentos não confundam as ações do presente. Não há como “matar” todas as saudades até porque esta não é o objetivo deste sentimento, o que ele objetiva é somente relembrar e sentir o gosto do passado. Então, quem escolhe vivenciar a saudade é quem a sente, e se o reencontro for uma forma mas estiver impossibilitado de ser acessado (pela ausência daquilo ou daquele que proporcionou a saudade, por amor próprio…), então, que outras formas mais acessíveis e saudáveis sejam construídas.
Cada partida deixa sua marca, e muitas delas trazem lembranças prazerosas consigo, contudo, relembrar do processo num todo é fundamental para cair na realidade e identificar realmente do que se sente falta. Lembrar das vezes em que se era cuidado pelos pais pode ser prazeroso, mas não é por isso que se quer ficar doente novamente. Buscar o tipo de cuidado que sentiu receber é o objetivo, e para isso não é necessário adoecer. Pense nisso.