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“Eu mudei, e agora?”

Jéssica Horácio de Souza

Psicóloga Jéssica Horácio – CRP 12/14394 – Psicoterapeuta Corporal

Um casamento estável e confortável, com uma rotina distribuída entre os cuidados da casa, dos dois filhos e do marido. Esta é a vida de Francesca, uma mulher de 40 anos que vive em uma fazenda no interior de uma pequena cidade, uma mulher que calou durante vários anos alguns desejos em virtude de outros: optou por segurança e estabilidade ao invés de aventura e intensidade.

Até que um certo dia o marido leva os filhos para um campeonato em uma outra cidade e fica longe de casa durante 4 dias. Tempo suficiente para a esposa descobrir em si outros papéis além do de mãe e esposa, e despertar desejos que estavam adormecidos. É que de repente surge na porta da casa dela um fotógrafo. Um homem de 60 anos que estava procurando uma ponte naquela localidade para fotografá-la. Francesca apresenta a ponte à ele e com toda a sua espontaneidade conquista a admiração do fotógrafo. É assim que as trocas afetivas entre eles surgem, e com elas o conflito entre a moral e os desejos.

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Este é o enredo de um filme chamado As pontes de Madison, mas poderia ser a história real de qualquer mulher de meia idade que se vê diante de um conflito existencial.

Vários pontos podem ser refletidos através deste enredo, mas um em especial chama a atenção: será que conseguiremos nos satisfazer plenamente em um relacionamento conjugal, ou precisaremos agir como Francesca que perante a sua família era “somente” mãe?

Quanto mais e melhor nos conhecemos, mais somos assertivos com relação as escolhas que fazemos, exemplo: se gosto de música clássica, sei onde encontrá-la e também conheço a sensação que terei ao ouvi-la, sei também que ir a um show de rock pode me desagradar e me deixar insatisfeita. Isso acontece com tudo aquilo que sabemos a nosso respeito, e com as emoções não é diferente.

Acontece porém que ás vezes entramos em uma relação desenvolvendo aqueles papéis que estamos habituadas, que aprendemos com nossos pais, aqueles que sabemos que é uma ótima estratégia para manter alguém por perto, ou ainda, aqueles papéis com os quais nos sentimos confortáveis, com os quais nos identificamos. Contudo, ao conhecermos outras realidades, experimentamos sensações novas e gostando muito delas. Isto faz parte de todo processo de desenvolvimento humano, é o que promove a mudança e o crescimento psíquico das pessoas.

Entretanto há quem tenha dificuldade de levar estas novas descobertas sobre si para a relação com a qual estão envolvidas por medo de dissolvê-las, por medo do fulano ou da fulana não gostar, de ficarem inseguros, com ciúmes, ou até por criticarem. Assim, buscam alternativas que comprometem o relacionamento que se tem, configurando muitas vezes em uma traição com o outro e consigo, além das mentiras, sem perceber, dissolvendo ainda mais a relação.

A negação de todo desejo acaba por reforçá-lo ainda mais, é que ele ganha força quando muito reprimido. Isto acaba impedindo o desenvolvimento de uma espontaneidade, e restringindo as opções de prazer que se pode ter. O resultado é uma insatisfação crônica que geralmente se cristaliza num papel de vítima trazendo consigo grande mágoa e frustração.

Francesca fez as suas escolhas baseadas em uma vida restritiva que estabeleceu para si, se encantou quando encontrou uma relação que lhe oferecia outras possibilidades enquanto mulher. Contudo, quando seu marido e seus filhos voltaram de viagem, ela acabou abdicando daquilo que havia descoberto a seu respeito através da nova relação, e negou para si e para sua família a pessoa que sentia prazer em ser.

Entrar em uma relação buscando se satisfazer por completo é muito arriscado uma vez que relacionamentos não alcançam todas as áreas da vida do indivíduo, elas alcançam alguns papéis e é necessário a atuação de duas pessoas para que estes sejam saudáveis e articulados com a personalidade de cada um. É por isso que o desenvolvimento pessoal precisa ser uma prioridade independente de estar vinculado a um relacionamento conjugal. É através do investimento no autoconhecimento que a satisfação acontecerá.

Francesca fez as suas escolhas com base no sentimento medo, e assim guardou pra si os papéis que havia descoberto dentro de si quando tinha por direito a possibilidade de se experimentar neles ainda dentro do casamento, ou, através de uma separação.

Nem certo, nem errado, o que cabe nesta questão existencial é cuidar não somente e estritamente da relação que se tem, ou, do desenvolvimento de um único papel, mas sim dar grande atenção à própria satisfação pessoal para que a relação consequentemente se oriente através disso.


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