A situação é muitíssimo familiar e, inclusive, atire a primeira pedra quem nunca pegou o celular do parceiro para dar aquela fuçada de leve. O fato é que, além do risco de realmente encontrar alguma coisa, o ato agora pode dar cadeia – pelo menos na Espanha.
“Em 22 de dezembro de 2014, Antonio J. S. Teve acesso ao telefone celular de sua esposa, M. P. T, digitando a senha e baixou um arquivo guardado no correio eletrônico com uma fotografia da senhora M. P. T. [esposa dele naquele momento] com um homem, assim como várias mensagens do aplicativo Line, tudo isso sem o conhecimento de M. P. T. Não ficou registrado que o acusado tenha divulgado ou cedido tais mensagens a terceiros. Não ficou provado que o acusado tenha realizado os atos com intenção de causar danos à integridade psíquica ou provocar temor na denunciante. Ficou registrado que a senhora M. P. T. Permaneceu por 15 dias em licença sem que tenha ficado provado que tenha sido em consequência dos atos, nem que tenha sofrido dano ou sofrimento especial”.
Esse é o relato de fatos comprovados que Antonio Miralles Amorós, titular do tribunal penal número 4 de Girona, na Espanha, usou para condenar a dois anos e meio de prisão e multa de seis euros diários durante 19 meses um vizinho de Puigcerdà, Antonio J. S., como “autor do crime de descoberta e revelação de segredos com o agravante de parentesco”. A sentença, datada de 28 de julho passado, penaliza a espionagem do celular de uma mulher por parte de seu marido para recolher provas de uma relação extraconjugal e incluí-las no processo civil de divórcio dos dois. É a primeira que um ato desse tipo leva à prisão – se os recursos não forem aceitos – de um condenado por apropriar-se de arquivos a esposa, e usa como agravante o parentesco.
A sentença judicial, passível de recurso em primeira instância, conclui que “não se tratou de um mero bisbilhotar ou de uma visão fugaz ou momentânea do conteúdo privado, mas que o acusado se valeu do adequado suporte material de captação do conteúdo” para utilizá-lo em outro processo, de divórcio. O condenado alegou, sem sucesso, que o terminal era de uso familiar porque sua mulher usava outro e que as senhas estavam guardadas em um arquivo compartilhado na nuvem. Seu advogado, Marc Molins, escreve no recurso apresentado ao mesmo tribunal que o direito à intimidade exige pelo menos algumas medidas de proteção que M. P. T. Não adotou.
A condenação a dois anos e meio de prisão é um aviso severo para quem estiver vigiando os dispositivos digitais de seus cônjuges. São delitos que, segundo todos os especialistas consultados para esta reportagem, se multiplicam com a proliferação de aplicativos que facilitam o rastreio de perfis da Internet e de redes sociais.
Em meados de julho em Jaén, no sul do país, foi preso um jovem acusado de instalar um programa espião no celular de sua namorada. A declaração policial incorporada ao processo revela que o software permitia que ele ativasse à distância a câmera e o microfone para ouvir conversas da namorada e controlá-la permanentemente. O jovem, “com um perfil ciumento e manipulador”, foi acusado de revelação de segredos, um delito que o Código Penal pune com um a quatro anos de prisão.
A Unidade de Investigação Tecnológica da Polícia Nacional espanhola afirma que não há registros concretos sobre estes delitos, mas a inspetora Silvia Barrera alerta que as denúncias estão aumentando. “Recebemos telefonemas de muitas vítimas, gente que vê coisas estranhas em seu telefone – baterias que duram pouco ou esquentam quando o telefone não está em uso – de pessoas que se sentem controladas por seus cônjuges. A primeira coisa que recomendamos, se for em contexto familiar, é tentar solucionar o problema nesse âmbito, antes de denunciar. Se as condutas persistirem, é possível recorrer a um perito que fará um relatório sobre o telefone ou tablet. A polícia não tem capacidade para analisar milhões de celulares, mas com a perícia podemos dar início a uma investigação”.
Depois de cada aparição televisiva de Chema Alonso, um dos hackers mais midiáticos, chovem novas ofertas (muitas remuneradas) para invadir a intimidade de terceiros por meio de seus telefones e computadores. “O número de pedidos que recebo é altíssimo. Encerrei minha conta noFacebook porque que era inundado por mensagens privadas. Milhares de pessoas me pediam de tudo: espionar celulares, redes sociais. Uma mulher de Madri me ligou há alguns anos para que eu espiasse o noivo de sua filha. Me neguei e ela depois me contou que tinha contratado um cibercriminoso estrangeiro e que tinha alugado um apartamento em frente ao do rapaz que queria vigiar. Fazer isso é muito fácil. Por sete ou oito euros ao mês é possível conseguir um vírus cavalo de troia. Quem instala é quem comete o delito”, afirma esse especialista em segurança cibernética que há anos denuncia práticas e até criou uma lista dos pedidos mais rocambolescos.
Esquemas que prometem ‘hackear’ Whatsapp e Facebook
É só teclar o verbo “espiar” no Google para que surjam dezenas de anúncios e esquemas para monitorar telefones, computadores e tablets. A imensa maioria, segundo a Unidade de Investigação Tecnológica da Polícia Nacional, são golpes que obrigam o interessado a seguir uma série de passos até introduzir um número de telefone que, normalmente, acaba levando a números de tarifação adicional. “Poucas vezes isso é denunciado”, afirma a inspetora Silvia Barrera, porque, ao fazê-lo, a pessoa estaria se culpando de um delito. “Os servidores”, segundo a agente, estão em outros países porque tudo faz parte de um “verdadeiro negócio”.