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Famílias Acolhedoras: construção de vida e novos olhares

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Um espaço para construção de vida e de novos olhares, assim pode ser definido o Serviço de Acolhimento em Famílias Acolhedoras, do Governo de Içara, de responsabilidade da Secretaria de Assistência Social, Habitação, Trabalho e Renda. Iniciado no ano de 2002, já acolheu mais de 175 crianças e adolescentes.

O psicólogo Luís Claiton Ehlers, que integra o Serviço, detalha que os acolhimentos ocorrem via medidas judiciais, encaminhadas pelo Ministério Público.“É um serviço que acolhe temporariamente crianças e adolescentes que são retiradas de suas famílias de origem por determinação judicial. Motivados por negligência, maus tratos, abuso físico ou sexual, violências das mais diversas”, explica.

As crianças e adolescentes permanecem com famílias previamente cadastradas pelo período de 18 meses nos lares temporários, conforme a Lei 13509/2017. “Quando não conseguimos fazer o retorno dessa criança ou adolescente para sua família nuclear ou extensa, eles também poderão fazer parte de um processo de adoção”, acrescenta a assistente social Micheline Alves.

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Atualmente, seis crianças se encontram acolhidas. Três profissionais integram o Serviço: uma assistente social, um psicólogo e um motorista.  As famílias Acolhedoras recebem um salário mínimo para cada acolhido. O valor é pago as famílias é repassado proporcional ao tempo que as crianças permanecem nos lares.  O Investimento para manter o Serviço é realizado por meio de recursos próprios e federais.

O valor repassado de recursos próprios em 2018 foi de R$ 72 mil, proporcional ao número de acolhidos.  A verba federal, de R$ 60 mil, é utilizada para custeio e manutenção do Serviço. “O Serviço é um sucesso. Desde a sua implantação, 175 crianças e adolescentes já foram atendidas.

O Município dá guarita para que essas crianças que, ao invés de irem para orfanatos ou outros tipos de acolhimento, são acolhidas em famílias devidamente cadastradas e estruturadas, com plenas condições de oferecer às crianças e adolescentes o que elas não tiveram na sua família original”, destaca o prefeito Murialdo Canto Gastaldon.

As decisões de acolhimento são tomadas após o recebimento de denúncias, no Disque 100, Conselho Tutelar e unidades escolares. “Assim que as denúncias chegam, abrimos o processo administrativo e colhemos mais informações. A legislação prevê que devemos atuar dessa forma, após o diagnóstico, tentar manter a criança no seio familiar da família extensa (avós ou tios maternos e paternos, parentes próximos), se não há essas opções, então o Ministério Público propõe uma ação. Com aprovação do Judiciário, a criança parte para o acolhimento. Excepcionalmente, em situações gravíssimas, o acolhimento pode ser feito de imediato pelo Conselho Tutelar, como por exemplo, os casos de flagrante de abuso sexual, violência grave ou crianças abandonadas na rua”, esclarece o promotor da Primeira Vara da Comarca de Içara, Marcus Vinicius de Faria Ribeiro.

Transformação, regras e laços para a vida

Há seis anos, a mãe acolhedora Maria Alcina da Silva Adão, a Nena, de 44 anos, entrou no Serviço. “Tenho uma amiga que é família acolhedora e eu amava o que eles faziam. Eu ajudava a cuidar das crianças que estavam com ela, mas achava que não estava preparada, fui pedindo pra Deus me ensinar, me ajudar no momento que eles deixam nas nossas casas. Me fortaleci e vi que estava preparada para entrar”, lembra.

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Após fazer as inscrições, e antes de receber as primeiras crianças, Nena e o esposo, assim como todas as famílias, passam por uma preparação. “Eu conheci outras mães acolhedoras e trocamos ideias, informações”, contou. Depois de três anos no programa, em 2016, ela recebe as duas primeiras crianças acolhidas, de 5 e 6 anos. “Na hora levei um susto, mas topei. Conversei com meu esposo e ele também topou, pois ele é caminhoneiro. Mas conseguimos aliar os cuidados com os pequenos à na nossa rotina”.

A primeira experiência de Nena como mãe acolhedora foi repleta de novas descobertas e amor, e também de muitos ensinamentos. “Eles vem de uma estrutura diferenciada, onde não há horários, regras, mas em quatro meses já havíamos construídos vários hábitos e rotinas importantes. Eles se transformaram. Todos eles vêm com muitas memórias. Levamos algum tempo para conquistar a confiança, são questões que precisam ser trabalhadas com tempo”, conta orgulhosa a mãe acolhedora.

Bianca* e Felipe* tiveram muitas primeiras vezes, no shopping, no parque, em festas de aniversário e inclusive no mar. “Tudo para eles era novidade, tudo era bonito, eles nunca tinham ganhado uma festa de aniversário”, lembra emocionada.

“Construí uma escolinha e uma casinha de bonecas, inventava uma série de atividades”, recorda. As crianças permaneceram por 16 meses com a família. O vinculo com as famílias acolhedoras, se permitido pela família adotante, pode ser mantido, e assim ocorreu com Nena e os pais adotivos de Bianca* e Felipe*.

Mãe de mais de 80 crianças e adolescentes

Maria Terezinha da Luz tem 62 anos e é aposentada, ingressou há 16 anos no Serviço, foi a primeira mãe acolhedora de Içara. Ela ainda se lembra do primeiro acolhimento: “Na época escutei no rádio que os interessados poderiam ir até o Conselho Tutelar. Recebemos as orientações e então recebemos as primeiras irmãs, de 5 e 6 anos, nos anos 2000, que foram adotadas em seguida. Eu sempre gostei de ter a casa cheia e quando ouvi no rádio, não pensei duas vezes. O amor e carinho dessas crianças e adolescentes preencheram com amor diversas lacunas da minha vida”, diz ela que é mãe biológica de dois adultos.

Ao longo desses 16 anos, ela recorda de Beatriz*, uma bebê recém-nascido que veio para o Serviço com apenas quatro dias. “Ela era uma criança calma, com muita saúde. Foi a mais novinha que acolhi. Não me arrependo nunca de ter entrado para esta missão, e incentivo quem tem esse desejo no coração, pois vale muito a pena, enquanto tiver saúde pretendo continuar. Eles estão aqui comigo, para eu olhar, dar atenção e amor, é passageiro, mas fico muito feliz quando eles são encaminhados para adoção ou voltam para cuidadores da família extensa, pois assim podem vislumbrar um futuro”, coloca.

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Eternizando e construindo momentos 

No decorrer do acolhimento, são feitos registros fotográficos do cotidiano dos acolhidos (lazer, rotina familiar, comunitária e escolar), para a elaboração do álbum de vida destes, tendo como objetivo a construção de sua biografia. “As fotografias são a construção da história, da linha do tempo que não pode ser mudada. Não é porque você está em acolhimento que este período da vida precisa ser amputado, pelo contrário, isso é para dar sustentação ao momento que a criança/adolescente se encontra”, coloca Luís Claiton.

A equipe recorda que um dos meninos acolhidos teve a perda do pai biológico e foi feito um velório simbólico, com o objetivo de também construir uma memória daquele triste momento.

Assim que uma criança e adolescente chega ao Serviço, a primeira intervenção da equipe técnica é realizar um mapeamento de suas necessidades. Imediatamente ele é conduzido à rede de ensino, e as questões de saúde do acolhido são verificadas (carteira de vacinação, exames, dependendo do caso e da utilização de medicamentos e acompanhamento psicológico).

Outra ação realizada de forma imediata pela equipe, é a disponibilização do Kit acolhimento, incluindo roupas, calçados, produtos de higiene, brinquedos, roupa de cama, mesa e banho. “Antes de chegar ao acolhimento, muitos nunca tiveram o direito de fazer escolhas. Portanto, sempre que possível nós levamos o próprio acolhido para escolher seus objetos de uso pessoal, fazendo ele se perceber como sujeito de direitos, explica Micheline Alves.

Do acolhimento à adoção

Andreia Teodoro S. Peroni e o marido Carlos Peroni, haviam definido que, se não conseguissem ter filhos de forma natural, eles adotariam. Eles construíram sua casa, terminaram suas graduações e realizaram vários sonhos. “Há cinco anos, decidimos entrar na fila de adoção. Nós nos preparamos psicologicamente e saberíamos que, em função da idade, desejar um bebê demoraria muito e não tínhamos mais 20 anos. Então preenchemos o requisito pedindo uma criança maior, de três a sete anos”, explicaram.

Inicialmente, o combinado era adotar somente uma menina. Eles fizeram a documentação, o curso de preparação, e após estes procedimentos, ainda aguardaram por alguns anos. No início de 2018, Andreia e o marido, reviram alguns planos, e, pelo passar dos anos, decidiram que esperariam somente até dezembro de 2018 na fila.

O combinado durou até o encontro com Bianca* e Felipe*, os acolhidos que estavam na casa de Nena.

Em março, a assistente social do Fórum de Içara entrou em contato falando que um casal de crianças estava à disposição. “Falaram que era um casal muito querido, então nós fomos fazer uma visita, para ter o primeiro contato. Não tem como não se apaixonar. Fomos um dia a tarde na Nena (a mãe acolhedora). Eles mostraram fotos, a Bianca* mostrou uma foto em que ela estava de bailarina, e toda menina sempre teve esse sonho, eu olhei ela de bailarina e achei a menina mais linda do mundo”, conta emocionada Andreia.

“Felipe* nos mostrou os super-heróis, sentei no chão e começamos a conversar, o coração bateu mais forte”, relata.

Chegando em casa, o casal avaliou a situação economia, eles também conversaram com outros familiares, que os incentivaram e apoiaram a efetivar a adoção, que foi realizada com sucesso.

As diferenças positivas das famílias para o acolhimento institucional

O promotor da Primeira Vara de Justiça da Comarca de Içara, Marcus Vinicius de Faria Ribeiro, ressaltou que diferente dos acolhimentos institucionais, no Serviço de Família Acolhedora, há muitas vantagens.

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“Já trabalhei em outras comarcas, e por mais que exista uma equipe capacitada e profissionais dedicados, a experiência da criança num ambiente e institucionalizado não pode ser comparada com a experiência da família acolhedora. O fato de estar inserida numa família, traz uma série de experiências e ajudam no desenvolvimento da criança. A equipe técnica coloca que nesta primeira fase, da primeira infância, todos os acontecimentos são marcantes. Além do mais, as crianças já estão passando por situação de vulnerabilidade. Estarem acolhidas numa família é muito mais saudável e benéfico para as crianças”, pontua.

A avaliação do promotor é positiva, principalmente pelo acompanhamento que a equipe técnica realizada com cada caso.  O Mistério Público também se reúne com os membros frequentemente. “O Serviço funciona muito bem, principalmente, por conta da dedicação dos profissionais que atuam no serviço e pela sensibilidade que tem, de acompanhar os casos, realizar as acolhidas, detalhes de como fazer festas de aniversário, ações que vão além da atribuição dos servidores”, enfatizou. 

A experiência positiva do Serviço foi inclusive levada para o Encontro Estadual de Promotores de Justiça, em 2018, em Florianópolis.

“A ideia é que não haja acolhidos”

O objetivo é que não sejam feitos acolhimentos, e que as crianças e adolescentes voltem para a família de origem. “Por trás de cada criança com direitos, há também uma família com problemas. Quando a criança/adolescente não volta para a família de origem, vai para família extensa ou para adoção. O objetivo é que não sejam feitos acolhimentos, que eles voltem para a família de origem”, destaca a secretária de Assistência Social, Habitação, Trabalho e Renda Fabiana do Amaral.

Todos os serviços realizados pela equipe são repassados a Corregedoria do Estado no sistema online “Cuida”, que foi incorporado ao Sistema de Adoção. “Todas as ações que são realizadas com os acolhidos são colocadas ali. É uma espécie de diário de bordo que todo o judiciário tem acesso. São anexados cópias de relatórios, fotografias, qualquer juiz pode acessar”, explica Fabiana.

“Não termos crianças em acolhimento, significa que a política publica como um todo está extremamente afinada. Significa que os Programas que estão sendo oferecidos estão suprindo as necessidades”, contou o psicólogo Luís Claiton.

O Serviço conta atualmente com seis crianças, porém o número ao longo dos anos já variou de 45 a 1 acolhido. No total, seis famílias estão cadastradas para receber as crianças e adolescentes, e o objetivo da equipe é que novas famílias também se tornem lares temporários.

Para se tornar uma família acolhedora os interessados precisam preencher alguns critérios, como por exemplo: residir em Içara, não ter quaisquer antecedentes criminais e não ser um familiar pretendente à adoção. “Sem dúvidas, a maior delas é a responsabilidade afetiva, disponibilidade emocional e de tempo para realizar essa acolhida”, acrescentou a assistente social do Serviço, Micheline. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone 3431-3597.

Novos caminhos para os adolescentes e adultos

Alguns adolescentes do Serviço, perto de completar a maioridade e caso ainda estejam em situação de acolhimento, são encaminhados para cursos profissionalizantes do Programa Novos Caminhos. O programa é uma iniciativa da equipe da Coordenadoria Estadual da Infância e da Juventude (CEIJ) do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, juntamente com a Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) e com a Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC).

Os cursos de formação são ofertados pelo Sistema FIESC, por meio do Instituto Euvaldo Lodi (IEL), do Serviço Social da Indústria (SESI) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), respeitando-se as necessidades e o perfil de cada adolescente. “Há seis anos somos parceiros do Bairro da Juventude, da cidade de Criciúma. Lá são ofertados cursos técnicos de 800 horas/aula. Alguns dos nossos adolescentes já realizaram cursos de cozinha industrial, padaria e panificação. Assim, ao completar 18 anos e ser desligado do Serviço já se encontra qualificado para o ingresso no mundo do trabalho, explica Micheline.

*Os nomes foram alterados pra preservar a identidade das crianças e adolescentes.

Francine Ferreira – Tânia Giusti


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