A ficção científica é profícua em criar mundos imaginários, às vezes chega a ser profética. No caso desse clássico de Ray Bradbury, a distopia descrita pelo autor é tão próxima de nós de tão tangível e verossímil.
“Os que não constroem precisam queimar. Isso é tão antigo quanto a história e os delinquentes juvenis”, nos atira Faber, um dos personagens dessa obra. Há anos venho adiando sua leitura, desde a adolescência, na verdade e, alguns anos atrás, assisti a versão cinematográfica. Porém, só agora tenho o prazer de me deleitar e viajar em suas linhas. Um prazer incendiário, tal qual as personagens criadas por Bradbury.
Na obra a sociedade retratada vive num futuro em que livros são mais que proibidos: são queimados. Paradoxalmente, os bombeiros são aqueles que invadem as casas para queimar os perigosos escritos, inclusive, alguns leitores preferem as chamas da morte à insípida sociedade de sua época.
A “metáfora” aqui é sobre a Alemanha nazista que queimava, destruía, proibia livros, autores, peças de teatro, filmes que julgava imorais ou ruins – conforme a moral e a ideologia nazista, obviamente. Em Fahrenheit 451 os livros são proibidos e destruídos e as pessoas veem isso como um espetáculo assim como queimar “bruxas” e hereges era um espetáculo na Europa medieval.
Nessa sociedade descrita por Bradbury, as pessoas vivem embriagadas pelo maravilhamento vazio das telas que emolduram as paredes de suas casas. Programas televisivos inundam as mentes seduzidas por fármacos que auxiliam o processo de não pensar. Aliás, como afirma uma personagem, forma as próprias pessoas que fizeram o mundo assim, o governo só “ajudou”. Todos presos em uma perfeita sociedade em que todos contribuem passivamente para a igualdade da falta de raciocínio. Pensar dói, dizem por aí, não é mesmo?
Lembro-me de um vídeo no YouTube, lá nos idos de 2007/08 cujo título vem ao encontro dessa prosa. “Ler devia ser proibido”, ironizava e sua reflexão inversa mostrava os “perigos” da leitura. Quem lê, viaja, diz o ditado e quem se aventura por linhas distantes corre o imenso risco de ser outra pessoa no próximo parágrafo. Em tempos ofuscados por telinhas mágicas em nossas mãos quase a todo momento, deixar de lado verdades fabricadas pelas redes sociais já é um ato revolucionário.
Há quem exiba explicitamente nessas mesmas redes sociais o quanto despreza a leitura. Além, claro, de vivermos em uma época cujos governantes abominam ciência, conhecimentos e leitura. Fazem de seu medo de perder o poder o combustível para o ódio à leitura. Infelizmente, também corremos o risco ver o preço dos livros – já tão caros – subirem mais ainda, graças a proposta estapafúrdia do governo de taxa-los via novos impostos.
Queimar livros em praça pública? Isso é coisa pra ficção. Na vida real podemos oferecer doses cavalares de “diversão virtual”. Ou só dificultar sobremaneira o acesso ao conhecimento. É a vida imitando a arte.