“Toda conversa é uma batalha de ideias”, dizia uma frase no livro de português do ensino médio. Falta-me seu autor, infelizmente, mas a frase nunca me saiu da cabeça e emoldura exemplarmente nossa atuação nas redes sociais. Estamos em guerra, com nossos interlocutores e conosco mesmo. Uma guerra suja, inglória e do tipo que talvez não aconteceria caso estivéssemos a debater no “tête-à-tête”.
De início a ideia das redes sociais nos é muito boa e abraça a todos como se todos fossem realmente um só. Quem não se lembra da febre Orkut? Reencontrar velhos amigos, encontrar pessoas que comungam das mesmas ideias era e ainda é uma das melhores coisas das redes sociais. Toda ideia, contudo, também passa por mudança e, nesse caso, falamos de uma ideia “digital”, a inteligência por trás das redes sociais. Na verdade essa “inteligência” não se esconde, está bem na superfície tão evidentemente espalhada “na lata” que banalizamos sua existência e, como truque de mágica, nos iludimos em nossa falsa liberdade.
O dilema está nas redes
Recentemente um documentário da Netflix tomou os anseios e olhares ao mostrar como funcionam as redes sociais. Para alguns é um espanto saber que nossas emoções são manipuladas pelos jogos de interesses comerciais e econômicos que mantêm as redes funcionando. Então me volto para 2005, quando, pela primeira vez, adentrei uma rede social, com meu primeiro computador lento como era o acesso à internet, “discada” ainda. Já era o suficiente para acessar as comunidades do finado Orkut e a primeira que entrei chamava-se “Eu adoro minestra”! Bobagem parecia e assim encarava aquela novidade que rapidamente nos mostrava suas “garras”.
Em seguida comecei a descobrir que haviam centenas de comunidades sobre coisas que eu gostava e queria aprender. Foi além do reencontrar amigos da faculdade: o Orkut se tornou uma nova “faculdade” para nós, pois podíamos aprender desde fabricar bombas caseiras até bolos diet. O mais impactante, contudo, foi descobrir as teorias conspiratórias, encontrar filmes antigos, saber o nome de músicas que estavam gravadas em alguma fita k7, entrar em comunidades que discutiam política, religião, filosofia, ciência e tecnologia. Pessoas com o mesmo pensamento e sentimento – por isso chamava-se comunidade – e em 2007 já sentíamos algo complicado em relação às redes.
A Terra era oca…
A teoria mais recorrente era sobre os Iluminnatis. Havia também o perigo sempre iminente da maçonaria estar vinculada com os reptilianos e o mundo corria sempre risco de algum asteroide que a NASA não nos contava. Coisas assim. Confesso, eu também fui na onda de algumas teorias e documentários, quase acreditei em tudo. Felizmente o bom senso prevaleceu.
Até 2009, aproximadamente, não se ouvia falar tanto de “terraplanismo”, pois a Terra era oca, inclusive você poderia escolher: ou estamos dentro da Terra ou estamos fora dela. Questão de aceitar uma teoria ou outra. “Teoria”…
Somos todos hipócritas…
Quem nunca cometeu um orkutcídio que tuíte a primeira ofensa!
Excluir o perfil do Orkut era normal. Fiz uma vez. Ter um perfil falso para visitar outros perfis sem ser visto era coisa recorrente. Engraçado mesmo era ver pessoas participando de comunidades do tipo “Eu odeio Crepúsculo” sendo fã do filme. Como alguém poderia estar num “campo minado” assim? Sentimento masoquista? Essa mesma atitude ocorre atualmente no Facebook, nossa maior rede social. Porém, tanto hoje quanto no passado, você tem a opção de não ver ou seguir o que te aborrece, algo que indico a todos, inclusive do meu perfil.
Te incomoda? Não siga.
Te incomodo? Não me siga.
Afinal, por que motivos quaisquer alguém seguiria algo que lhe incomoda numa rede social? Para espionar outras pessoas e se comprazer de jogar na sua cara a hipocrisia de suas palavras? Ou das próprias palavras? Pelo menos no Orkut sabíamos quando alguém visitava nosso perfil, o que era engraçado, pois após um debate qualquer em uma comunidade qualquer, lá estava a visita da pessoa “ofendida” registrada. Hoje, para saber quem nos segue, basta emitir sua opinião. Então descobrimos quem está dia após dia atrás de nossos passos. Vaidade? Orgulho? Inveja? Ou maldade mesmo?
A batalha por visibilidade
Não visitamos mais lugares. Registramos nossa presença em alguns locais para postar no Instagram, de preferência com alguma frase de “impacto”. Em vários perfis do “insta” precisamos escolher: apreciar a abundância da natureza exposta na fotografia ou só a abundância mesmo. Não só isso, mas a batalha por likes, por aprovação se tornou também uma batalha por visibilidade, seja de nossos corpos sarados ou de nossas ideias cativantes. Quanto será prejudicial para nós tamanha auto exposição desmedida? Que ser humano seremos num futuro próximo?
Dividir e conquistar…
Em 2014, após a eleição, um apresentador no jorna do meio dia mostrava o mapa do Brasil: vermelho eram os eleitores da Dilma e azul os eleitores do Aécio. Ele enfatizava com toda a sua ignorância a divisão do país. Apesar da maldade explícita na sua fala, ele estava certo também. Tornamo-nos um país polarizado, assim como mostra o documentário da Netflix. Não é só no Brasil, o que assusta.
Os discursos inflamados de ódio pela rede nos levam a aceitar “teorias” sem sentido que vencem uma eleição. Pessoas com as quais convivemos espalhando seus medos, sua raiva, sua desinformação. Onde estava tudo isso antes? Isso me lembra o filme dos caça-fantasmas, novamente, quando o “lodo do mal” corria sob Nova Iorque. Àquela lama confluía toda a maldade dos cidadãos. Era como se uma coisa, ou uma pessoa, se tornasse o vetor de toda maldade no coração dos cidadãos que explodiam e explodem hoje pelas redes.
Divididos estamos. Conquistados seremos. Ou vamos “acordar da matrix”? De qual matrix, afinal?