Psicóloga Jéssica Horácio – CRP 12/14394 – Psicoterapeuta Corporal
Tudo parece estranho, meio esquisito, com poucos sentidos. Na realidade, às vezes somos nós que nos sentimos esquisitos no meio de tantas coisas em sintonia. Parece que estamos de fora, e que nos tornamos espectadores da sincronicidade alheia. Mas, se resgatarmos alguns fragmentos de memória, nos lembraremos que há pouco nos sentíamos assim como eles: pertencentes, inteiros, completos, felizes.
A perda de algo ou de alguém com quem construímos laços afetivos e representações emocionais, envolve um processo chamado de luto. Este processo envolve todo o tipo de perda, seja ela decorrente de um falecimento, de uma separação conjugal, distanciamento espacial, da perda de um cargo profissional…
Diante da perda lidamos com vários sentimentos que se manifestam ao mesmo tempo: raiva, medo, tristeza, sensação de impotência, de injustiça, de revolta, abandono… Todas essas experiências serão reforçadas pelo tipo de vínculo mantido com o objeto da perda bem como com as circunstâncias que contribuíram para a perda.
Atualmente entende-se que não existe um prazo definido para que a perda pare de doer, sabe-se porém que o processo de luto precisa ser vivido para que ocorra a elaboração da perda e a ressignificação do sofrimento. Enfrentar cada sentimento, aceitar a presença dele é de fundamental importância para o contato com a realidade, é um meio de não fugir da dor embora ela seja intensa.
Cada indivíduo tem sua forma de lidar com frustrações e perdas, e esta forma está intimamente ligada com o modo como o indivíduo se percebe no mundo. É por isso que o luto é tão subjetivo e classificar as características esperadas nesse processo bem como a sequência em que elas aparecem é arriscado, contudo, existem características que são manifestadas com maior frequência no processo de luto. Geralmente surge a negação da situação em si que é um modo do indivíduo não entrar em contato com a realidade, assim ele pode evitar falar sobre o assunto; outra manifestação que poderá ocorrer neste processo é o surgimento da raiva onde pode haver uma revolta com o mundo por a pessoa se considerar injustiçada e inconformada com a perda. Existe uma característica nesse processo que se chama barganha, nela o indivíduo busca fazer promessas para negociar a sua dor, é um modo de tentar não admitir a dor que sente e trocá-la por boas ações. Na depressão o indivíduo fica melancólico e se isola do convívio social, é um período de reconhecimento do próprio sofrimento e das implicações da perda na sua própria vida. Existe também a aceitação que é esperada como a fase saudável e menos dolorosa do luto, nela o indivíduo não mais se desespera e consegue enxergar a realidade como ela é, buscando a continuidade da própria vida.
Todas essas características podem aparecer sozinhas ou acompanhadas de outras, o que é importante é que cada indivíduo tenha o seu espaço para vivenciar o luto da maneira que conseguir e que receba suporte e apoio emocional de quem possa lhe transmitir compreensão, amparo, empatia e segurança.
A dor da perda é legítima, temos vontade de voltar no tempo e viver mais um pouco ao lado da pessoa amada, por exemplo, de impedir o afastamento, de dizer novamente o quanto os momentos com ela foram especiais e importantes para a nossa vida. Mas, compreendendo a finitude e a impermanência da existência, percebemos que cada momento pode ser suficiente para fazer valer a pena a nossa própria vida. A morte e as perdas em geral tem muito para nos ensinar, mas isso não impede que deixemos de sofrer.
Precisamos lembrar que embora dolorosa, é só uma fase, e como todas as outras que já vivemos, esta também passará. Estranho seria se ainda sentindo não sentíssemos a estranheza de uma nova rotina, a ausência da risada, do colo, da conversa, da presença. A sentimos porque sentimos. Primeiro vai fazer falta, até que em sintonia novamente com o mundo, sentiremos apenas saudade.