Discutir a história é um ato que exige grande atenção de quem se dedica à sua análise. Cabe a historiadores e historiadoras, na maioria das vezes, se não em todas, deixar de lado suas paixões, inclusive as ideológicas quando no trato com a escrita da história. Isso está longe de ser uma verdade palpável, mesmo que alguém argumente que “contra os fatos não há argumentos”, assumir neutralidade científica é praticamente inviável, pelo menos nas humanidades.
Bem, se não há argumentos, não há interpretação, logo, não há história. Isso demonstra o caráter dialético da história, do movimento constante e incessante da sua existência cotidiana. Sim, ela pode ser contestada e manipulada, o que exige um acompanhamento, um cuidado especial e diário por quem a estuda e por quem a escreve.
Isso me recorda a metáfora utilizada por um professor da faculdade ao comparar a história com pedaços de um espelho quebrado no chão. O reflexo, ao se olhar, é o mesmo em todo pequeno fragmento espelhado, porém, cada um oferece um ângulo, por menor que seja, diferente. Da mesma forma, a história, a depender do ponto de onde se observa, poderemos ter diferentes nuances. Todo ponto de vista é a vista de um ponto, nos alertava Leonardo Boff, embora eu já tenha visto essa frase associada à Boaventura de Sousa Santos. Por si só, essa dúvida já nos serve para pensar sobre a história, sobre suas “personagens” e “autores e autoras”.
Oras, estaria aqui então a relativizar a história, ou a “verdade histórica”? De modo algum. A história, enquanto ciência que se debruça sobre a ação humana no tempo e no espaço, precisa confrontar-se a si mesma no âmbito de garantir para si uma “validade” maior. Se a reduzirmos apenas aos fatos documentados, se reduzirmos a história apenas ao registro daquilo que foi – “exatamente” como foi – perderemos toda a capacidade analítica e interpretativa que ela nos traz. Do contrário, corremos o risco do dataísmo, pensando aqui em Chull Han: tudo se torna um dado a ser quantificado e guardado em bites e mais bites.
Agora, pense: aquele evento de alguns anos atras no qual você fotografou e gravou tudo, tudo, tudo – esse registro que você guarda com carinho em algum canto virtual – garante a você “toda a verdade” daquele momento? Te dá toda a emoção que você viveu?
Toda essa minha divagação surgiu de um questionamento lançado por um aluno em sala de aula sobre um tema cujas verdades eu já havia construído e consolidado dentro de minha atuação docente no decorrer de tantos anos. Ao ver a oratória do aluno demonstrando conhecimento e, acima de tudo, a pesquisa e leitura que transpareceram em sua fala, me vi confrontado no meu confortável lugar de professor. Também aí me obriguei à pesquisa e leitura novamente, sem muito esforço, e descobri que também minhas paixões ideológicas nublavam meu conhecimento. Disse Augusto Cury, creio eu em um de seus livros, que o pior professor é aquele que deixa de ser aluno, e lá estava eu sendo esse professor. Desci do altar que construí para mim mesmo sem nem perceber e voltei aos livros para rever meus erros, por menores que fossem, entretanto, com um peso tão grande. Felizmente tenho um aluno que soube me ensinar.