Psicóloga Jéssica Horácio – CRP 12/14394 – Psicoterapeuta Corporal
Há tantas coisas que poderiam nos ensinar ainda enquanto somos crianças: lidar com frustrações, com a morte, aprender a ser empático, solidário… Mas há uma em especial que poderia contribuir efetivamente para o desenvolvimento de todos estes outros ensinamentos: a capacidade de lidar com o tédio.
Quem não aprende a lidar com aquele estado enfadonho de realidade “morna” sente que a vida vai perdendo o brilho, o sentido. Do mesmo modo que se instala a sensação de apatia, aparece também uma ideia que fica pulsando, latejando na mente, dizendo que deveria ser diferente, que deveria existir mais paixão, mais dias com desejo fugaz, alguns usam até a expressão “me falta inspiração!”.
Então se está morno, por que não “esquentar”? É o que aqueles que não aprenderam a lidar com o tédio fazem, buscam em atividades externas motivos para se apaixonar. Pode parecer saudável uma vez que esta tentativa num primeiro momento traz engajamento e movimento para a vida, porém, na contramão disso vem a dependência externa para dar sentido para a própria vida.
Há quem siga o padrão de entrar em relacionamentos imediatamente após o término de uma outra relação, não se permitem lidar com aquela área da vida em processo de desocupação. O mesmo acontece com as compras, procedimentos estéticos, estudos… A incessante busca por uma paixão é reflexo direto da dificuldade em lidar com aquilo que é “morno”, enfadonho, entediante.
Isso não significa de modo algum que o indivíduo deva se conformar com a falta de motivação para com a vida, ou até mesmo com a apatia diante dela. Estes aspectos quando não são cuidados constituem questões psicopatológicas graves como é o caso da depressão. O que não nos ensinaram, e talvez até mesmo por não saberem também devido a falta de autoconhecimento, é como viver com saúde emocional até mesmo nos dias em que a paixão por algo ou por alguém tirar férias, é como permitir que a realidade seja “morna” mas que possua um “quê” de personalidade, de subjetividade, e não como torná-la insuportável a ponto de nada mais fazer sentido, de nada mais tocar.
A paixão é um estado que mobiliza grande quantidade de energia emocional, e sem grandes esforços aparentemente, tudo se torna possível, encantador, mágico. Estar apaixonado por algo ou alguém é sem dúvidas uma experiência necessária para a manutenção da capacidade desejante. Contudo, não serão todos os dias que este estado estará presente, afinal, por ser estado e depender de questões externas, ele é transitório e instável. Como permanecer apaixonado por algo que está sendo satisfeito? A paixão surge da insatisfação, do não ter, ela age como um desafio, quando este é concluído, então ela busca outro alvo para preencher algum outro vazio que possui.
Então, a tarefa não é evitar paixões, mas sim aprender a lidar com os dias, vários dias, em que ela estiver ausente. É aprender a questionar que dor é essa tão intensa que precisa de um antídoto externo constantemente. É conhecer aquele pedaço de si que está insatisfeito e buscar recursos internos para acalmá-lo, dar suporte à ele, ou simplesmente deixar doer até perceber que ele não era tão profundo assim, mas que a falta de contato com ele o tornava um “monstro” a ser evitado.
A busca por algo que preencha se torna saudável quando ocorre internamente, exceto isto ela será transitória. Haverá dias que faltará um desejo maior para levantar da cama, que o parceiro não estará presente para levar o café na cama, ou que não buscaremos um familiar no aeroporto no fim do dia, não teremos aquele jantar especial, por exemplo, ou seja, será um dia em que não existirão novidades que proporcionem euforia e paixão.
Serão dias “simples”, ou “mornos” e que podem ser vividos dentro disso que oferecem, sem grandes espetáculos. São nesses dias que a capacidade de gostar da própria companhia é testada, que a empatia por um colega de trabalho que está sofrendo surge, que a solidariedade ganha terreno. Todas estas reações quando surgem verdadeiramente, constituem o preenchimento interno que proporcionam satisfação e que se aquietam apesar da falta de euforia.
Há quem se sinta inseguro e diante do tédio busque amenizar a própria insegurança solicitando demais das pessoas ao seu entorno: solicitam demonstrações de amor constantemente, garantia de que fizeram um bom negócio, de que amanhã irão em uma outra festa… Com isso fortalecem o próprio medo de lidar com a ausência de paixão, e fogem do tédio sem perceber que ele as acompanhará indiretamente até elas resolverem suas contas com ele.
Por isso, ao invés de buscar prazer externo constantemente, questione a sua insatisfação diante do tédio e busque alternativas internas para lidar com ele. Os dias podem ainda ser agradáveis mesmo quando nem eu nem você estivermos dentro de um conto de fadas onde tudo é uma grande festa.