Havia um professor na faculdade que usava uma imagem muito interessante para explicar o conceito de história: um espelho quebrado no chão. Ao se olhar você poderia ver várias imagens suas e, apesar de se parecerem entre si, nenhuma era exatamente igual, pois os cacos estavam espalhados. Questionávamos se isso não era uma forma de relativizar o processo histórico, algo que acontece com a discussão sobre o relativismo cultural. Ele dizia-nos que não, porque nós temos o olhar acadêmico sobre o passado também a fim de desvendar e desvelar os “vultos pretéritos”.
Como se contará nossa história daqui alguns anos, décadas ou no próximo século? Difícil saber, com exatidão mesmo, nem pensar, não podemos prever o futuro, nem ciência nem astrologia. A única coisa que podemos é fazer conjecturas, visto que o ser humano é tão diverso e tão diversas são as possibilidades de mudança e acreditar num destino final imutável significa retirar de nós toda a capacidade que temos, para o bem e para o mal, só para ficar num maniqueísmo tosco de sempre…
Quando acesso as redes sociais costumo ler os comentários avulsos que se espalham nos vídeos, nas caricaturas, nas notícias e afins. A conclusão mais óbvia que se pode chegar é uma só: o brasileiro precisa de mais escolaridade. Sim, não adianta dizer aqui que precisamos de mais educação, porque o conceito de educação é muito amplo. Dizer novamente que educação vem de casa ainda é pouco e não convence ninguém que se deleite a aprofundar mais seus conhecimento sobre o que é a educação. Se a educação vem de casa, quem educa a casa?
Pergunta recorrente que sempre me faço. Já vi alunos os mais diversos e muitos, muitos casos mesmo não refletem o ambiente familiar, o que já corrobora pra deitar por terra a afirmação comum que a “educação vem de casa”. A casa, nesse caso a família é educada pelas igrejas, a religiosidade familiar, pela mídia, a televisão, rádio, internet, a casa tem uma cultura própria, uma cultura organizacional, por assim dizer. A rua educa as pessoas, com suas placas de trânsito, com as regras a que todos estamos sujeitos, a propaganda, a moda, enfim, as relações sociais como um todo. Tudo nos educa, de certa forma. A escola é apenas um pedacinho desse iceberg chamado educação. E lá vamos nós nos comentários das redes sociais.
Qualquer pessoa que acesse a internet pode aprender e desaprender mais ainda. Erros de português encontramos aos montes e uma pequena parcela trata-se de digitação errônea, geralmente apressada (esse texto aqui, mesmo após revisão pode conter erros e supressões inocentes). Todavia, o que chama a atenção é a quantidade de “especialistas” nos mais variados assuntos. Só nessa semana vi pelo menos umas três discussões desqualificando toda a teoria escrita e pesquisada por Einstein. Não se trata de revisionismo, pois este acontece quando alguém, com um mínimo de “gabarito” se propõe a estudar e pesquisar seriamente e afundo (sem ou com segundas intenções) determinado fato no intuito de apresentar outra versão de algum fato ou pôr à prova alguma teoria. A ciência se faz negando-se a si mesma: afirmou, prove.
Voltemos então ao espelho quebrado da história. Você, caro leitor, talvez já esteja especulando a partir do que disse lá em cima, que a história pode ter várias versões, não é mesmo? Talvez você já possa pensar no caráter político da história e isso não está nenhum pouco errado. A história é feita por homens e mulheres dotados de poder para influenciar os que estão ao seu redor, dotados de capacidade de escolha, daí a história, enquanto atividade humana ter um caráter fortemente político porque a política é o exercício do poder.
Neste 21 de abril, comemorou-se o herói nacional Tiradentes, um personagem ainda controverso, “bandido” para a Coroa portuguesa e “glorificado” pela república. Assim se criam mitos, que vão desde a criação do Universo até a idolatria de artistas, pensadores ou presidentes. Caímos de novo na questão: como a história nos contará futuramente…
Precisamos refletir criticamente sobre a história, ter sempre um olhar curioso (ao invés de ser apenas um olhar “duvidoso” de tudo), buscar entender os meandros da ciência, filosofia, das artes, da religião. E ainda precisamos nos escolarizar e a nosso povo. Para o bem ou para o mal, a escola ainda é um espaço onde podemos aprender o básico, da boa escrita à boa argumentação.
E sem essa de falar que há professores ruins. Também devemos superar esse lugar comum, pois há tantos profissionais ruins em qualquer área quanto há seres humanos ruins em quaisquer lugares, da política à religião. Se aprendermos a olhar o “espelho quebrado” da realidade (histórica, religiosa, política, científica) quiçá um dia poderemos realmente entender de alteridade, rever nossos próprios erros, individuais e coletivos, e nos tornarmos uma sociedade melhor, mais instruída e responsável pelos nossos próprios atos presentes, trilhando um futuro que, se não possa ser previsto, ao menos construído com mais valor.