A Justiça atendeu liminarmente ao pedido do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e determinou a indisponibilidade dos bens da Laticínios Mondaí Ltda. e de dois sócios-administradores. O pedido foi feito em uma ação civil pública em que o MPSC pede, entre outras medidas, a condenação dos acusados ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de, no mínimo, R$5 milhões, a serem revertidos ao Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (FRBL). O objetivo da liminar é garantir a indisponibilidade dos bens dos requeridos para o futuro pagamento, em virtude da insolvência da empresa e do risco de dilapidação patrimonial a partir da tentativa de alienação do estabelecimento.
Por seis meses, o Ministério Público investigou, na Operação Leite Adulterado II, as atividades da empresa e verificou que, há pelo menos seis anos, o leite destinado ao consumidor era adulterado, com a adição de produtos químicos ilícitos.
Durante esse período, cerca de 400 mil litros de leite passavam pela empresa diariamente, em grande parte com adição de substâncias nocivas e proibidas. O objetivo era mascarar a má qualidade do leite e dar maior durabilidade ao produto, prevenindo a ocorrência do leite ácido, cuja venda é proibida. Para aumentar a durabilidade, eram adicionados estabilizantes impróprios para o consumo, tais como soda cáustica e água oxigenada.
A empresa de laticínios é a responsável pelo controle da qualidade do produto, inclusive durante sua distribuição. Diferentemente da fraude no leite apurada no Rio Grande do Sul, em que a adulteração era feita em grande parte pelos transportadores, nesse caso era a empresa de laticínio que realizava a adulteração.
O Código de Defesa do Consumidor estabelece a reparação pelos danos patrimoniais e morais como um dos direitos básicos dos consumidores. Nesse caso, segundo a ação civil pública, as práticas abusivas trouxeram prejuízo a toda a sociedade, e não só aos clientes da indústria.
“A adição de água oxigenada e soda cáustica ao leite é grave o suficiente para produzir intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva.” O texto cita, ainda, a total vulnerabilidade dos consumidores que não tinham condições de identificar a presença dos produtos químicos no leite ou nos derivados. Além do consumidor, as ações da empresa também refletiram em toda a cadeia de produção e distribuição de leite, prejudicada pela desconfiança e indignação dos consumidores. (Autos n. 0900022-36.2015.8.24.0043)
Aditivos químicos aumentavam a durabilidade e o volume do leite
Segundo o texto da ação civil pública, “com o regular decurso das investigações realizadas, verificou-se claramente o procedimento realizado, o qual consistia em adicionar, indevidamente, ao leite in natura, produtos químicos para dois propósitos principais: primeiramente, a fraude por adição de ‘neutralizantes de acidez’, hipóteses em que eram adicionados produtos para inibir a multiplicação bacteriana que leva à acidez do leite ou, ainda, para aumentar o pH de um leite já ácido, visando a conferir maior durabilidade ao produto impróprio para o consumo, caso em que eram utilizados peróxido de hidrogênio (água oxigenada) e hidróxido de sódio (soda cáustica) no leite; em segundo lugar, para aumentar o volume do leite, era adicionada água ou soro de leite, seguido da utilização de produtos classificados como ‘reconstituintes de densidade’, principalmente o etanol (álcool)”.
Hidróxido de sódio (soda cáustica)
O uso da soda cáustica tem como objetivo reduzir o nível de acidez do leite e mascarar a contagem das bactérias, de forma com que o leite fora dos padrões aparente estar em condições regulares, disfarçando, por exemplo, o apodrecimento do leite.
De acordo com o informe Técnico n. 33 de 2007 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a soda cáustica é considerada como substância corrosiva para os tecidos humanos e pode provocar queimaduras severas em que a consome.
Conforme apurado, a soda cáustica usada no leite era a mesma utilizada na limpeza da indústria que produzia a bebida láctea. Dentre as substâncias encontradas estão alguns metais pesados, como, por exemplo, o Mercúrio, que, ao ser consumido, pode gerar complicações ao sistema neurológico.
Peróxido de oxigênio (água oxigenada)
Ao ser adicionada no leite, a água oxigenada prolonga o período de vida útil da bebida. Dessa forma, permite dissimular as irregularidades nas condições higiênico-sanitárias durante a obtenção e o transporte do leite.A mistura do peróxido de hidrogênio acarreta a oxidação das gorduras do leite e destrói as vitaminas A e E contidas no produto. Além da diminuição do valor nutricional, a água oxigenada pode causar graves problemas gastrointestinais, por se tratar, assim como a soda cáustica, de uma substância química corrosiva.
Álcool etílico
Para aumentar indevidamente o volume do leite, é adicionada água ao produto. O álcool etílico age como reconstituinte de densidade e é usado para mascarar esse aumento artificial do volume.Não há como saber a origem da substância usada, que pode ser até o etanol combustível, o qual contém resíduos de metais pesados, como o chumbo. Além disso, o aumento artificial de volume pelo acréscimo de água gera, por si só, a diminuição do valor nutricional do leite.
FRBL: Fundo que ressarce e beneficia a sociedade
Em Santa Catarina, o dinheiro proveniente de condenações, multas e acordos judiciais e extrajudiciais em face de danos causados à coletividade em áreas como meio ambiente, consumidor e patrimônio histórico é revertido ao Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (FRBL), o qual financia projetos que atendem a interesses da sociedade.
O objetivo principal do FRBL é custear projetos que previnam ou recuperem danos sofridos pela coletividade.O FRBL é administrado por um Conselho Gestor composto por representantes de órgãos públicos estaduais e entidades civis. Os representantes de órgãos públicos são permanentes e os de entidades civis são renováveis a cada dois anos, mediante sorteio público.