Nas metrópoles brasileiras a miséria é banalizada tanto quanto espetacularizada. Vida e morte tornaram-se um show em medidas bipolares e a violência enraíza-se em cada “lar doce lar”. A metrópole adoece e viraliza-se pelas pequenas cidades e até no meio rural.
Fim dos dias, sinais dos tempos e muita profecia exalada por axilas que fedem mais que suas palavras. Quais palavras, aliás, ainda podem ser ditas sem soarem repetitivas? A paz que ainda podíamos encontrar nas pequenas cidades não serve nem mais como atrativo turístico. Posso estar errado – torço por isso! – mas já se nota aqui e ali e cada vez mais uma “urbefobia”, um medo, no caso bem racional, das grandes concentrações urbanas.
Visitei recentemente a capital dos gaúchos com meus alunos e alunas e me chamava a atenção como era possível tantos moradores de rua sob pálidas marquises. De dentro do ônibus e no alto de viadutos e estradas elevadas tudo fica ainda mais distante. Tendemos a naturalizar, a “normalizar” aquela miséria alheia como reflexo de uma sociedade a qual também já tornamos lugar-comum chamá-la de doente. Afinal, a culpa individual se dilui na culpa coletiva e não faz muito bem para nossa saúde emocional ater-se demais nesses pensamentos. Mais fácil pensar e aceitar que a vida é injusta, não é mesmo?
Nessa visita à “metrópole farroupilha”, três coisas foram alvos de minha inquietação e, mesmo que possam não parecer, interligam-se. Primeiramente, nossos alunos dentro do ônibus majoritariamente conectados à internet e a seus fones de ouvidos. Felizmente não por muito tempo, pois também gosto de bagunça. Ainda assim me entristecia percebê-los somente ali e não admirados nas janelas. Só esse fato já serviria para muita reflexão. Deixo para outro momento.
A segunda coisa, algo que me admirou muito, foi e é a construção da gigantesca ponte elevada sobre o rio Guaíba. Toda aquela altura da maravilhosa engenhosidade humana me causou arrepios só de olhar, mas me fez questionar algo: daquela altura monumental se enxerga menos a poluição lá embaixo. Com certeza, contudo, será possível contemplar um belo pôr-do-sol lá de cima em breve.
E, por fim, ao visitar o zoológico, uma sensação ruim apossou-se do meu ser ao visualizar aqueles animais presos tão perto da selva de pedra. Seguros e ao mesmo tempo sem liberdade alguma. Seres “miseráveis” atrás das grades servindo de “espetáculo” para outros seres “miseráveis” que vez ou outra escapam de suas gaiolas de concreto para “admirar a natureza” ali enclausurada. Aquele sentimento de criança mudou, não consigo me sentir alegre no zoo.
Banalizamos a violência, como nos dizia a filósofa judia Hannah Arendt. A violência física, simbólica e ambiental. Relacionamo-nos à distância e perdemos qualquer sentido nesse mundaréu de gente desconhecida e tão opiniosa (como eu!). Talvez aqueles animais tristes e presos representem essa nossa outra face. Que face? Qual face? Que ser urbano somos nós? Hoje carregamos nossas “cavernas” conosco e dificilmente conseguimos escapar para luz. Na metrópole, as sombras brigam-se entre si.