Há alguns anos chamava-me a atenção um comercial da TV Futura. Na verdade eram dois, porém, um em especial encerrava-se com o seguinte dizer: “Sorte sua que nasceu numa época em que é livre para pensar!” Talvez não esteja reproduzindo exatamente as palavras como foram ditas, o que pouco importa, visto que a mensagem é facilmente compreensível.
O comercial em questão citava algumas personalidades de distintas épocas e todo seu esforço para poderem expressar suas visões de mundo e seus próprios pensamentos. Personagens como Galileu, Robespierre e outros elencavam o curto comercial que simbolizava uma verdadeira aula de liberdade, essa musa cantada em todos os tempos.
Na Idade Média europeia ocidental é sabido o forte poder exercido pela Igreja Católica em todos os níveis da sociedade, o que levou figuras como o já citado Galileu a ser condenado. Por pouco não morreu nas mãos da inquisição ao cometer um crime perigoso na época: desconsiderar a Terra como centro da Criação. Outros foram queimados vivos por bem menos e muitos milhares sofreram nas mãos dos que julgavam os supostos culpados de crimes como bruxaria. Muito tempo antes, Sócrates fora condenado à morte por corromper a juventude e questionar os deuses.
O que procurava o grande filósofo era fazer as pessoas pensarem por si próprios, buscarem suas verdades em meio às suas próprias ilusões e não fazia caso de saber se seus interlocutores eram pobres ou ricos. Talvez esse tenha sido seu maior erro, querer ensinar pessoas comuns. Pessoas comuns são “perigosas” só por existirem, imaginem quando questionam a si próprias e ao mundo que as cerca.
Na famosa alegoria da caverna de Platão vemos a figura novamente de Sócrates como aquele que reconhece sua ignorância e parte na aventura do conhecer, porém, quando retorna aos seus, é morto por causar baderna no conforto daqueles comodistas. Quantos hoje incomodam apenas pelo fato de suas existências colocarem em xeque as instâncias máximas de nossa sociedade? Por que os índios são massacrados até hoje? Se observarmos e refletirmos sobre sua existência, se estudarmos profundamente seu modo de viver, poderemos aprender muito com eles.
Os índios nos ensinam que não precisamos de muito para viver, que o ‘homem civilizado’ complica demais sua própria existência. Quer lição maior? Aprender a viver com pouco, aquela lição dos “R’s”: reutilizar, reciclar e reduzir, sendo que este último verbo é o mais apavorante ao moderno mundo capitalista! Já imaginou se as pessoas reduzirem seus gastos? Comprar menos roupas porque realmente não precisamos de muitas, assim como não precisamos do melhor carro ou do ano, ou trocar nossos calçados várias vezes.
Eu até poderia continuar nessa verborragia, mas dá para ver que ‘pestanas’ já se avolumam, afinal, cabeludo e com papo hippie, só pode ser comunista! E como isso é perigoso, não é mesmo? Tanto marketing sobre as novas modas influenciando tantas mentes a comprar, comprar e mais comprar, tudo para mover a economia e fazer a roda do sistema girar! E aí aparece um doido que não quer contribuir com a seta dourada desse sistema. É o fim dos tempos mesmo! E ainda fala em liberdade de pensar! Oras, todos somos livres para pensar, não é mesmo?
Eu retorno ao comercial da TV FUTURA e seu epílogo: “Sorte sua viver em uma época em que é livre para pensar”. Sorte nossa, realmente, que tivemos homens e mulheres corajosas que deram seu sangue e suas vidas para que pudéssemos ter esse pouquinho que liberdade que temos. Infelizmente, como a sorte sozinha não faz história, há muita gente lutando diariamente em todos os lugares e principalmente nos centros de comando da sociedade para que nossa liberdade de pensar seja cerceada a cada dia mais. Forcas e fogueiras parecem instrumentos que nunca se apagam em nossa história e aos nossos índios espelhinhos não fazem mais efeitos. Aos nossos filósofos, cicuta é mero subterfúgio onírico.
Ouse sair da caverna, mas tome cuidado ao retornar.