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Quando o trem sai dos trilhos inesperadamente

Jéssica Horácio de Souza

Psicóloga Jéssica Horácio – CRP 12/14394

Psicoterapeuta Corporal e Tanatóloga

O trem descarrilhou. Não se sabe o porquê. O trem saiu dos trilhos. Foi da noite para o dia. Amanheceu e ele estava lá descarrilhado. Ele seguiu durante toda a madrugada sobre os trilhos. Mas ele se perdeu do seu caminho.

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E agora fica o trilho para ser consertado e o trem para ser realinhado. Quem pagará a conta? Quem lidará com a mudança abrupta? Quem suportará passar pelo processo de reconstrução?

Seria menos dolorido se ele já viesse dando sinais de problema na engrenagem? Doeria menos se ele descarrilhasse à luz do dia? Mudaria o tamanho da bagunça se o trilho tivesse apresentado desgaste?

Mas, qual o nome desta dor que se aloja quando a mudança é imposta?

A incredulidade da mudança abrupta é o ingrediente intensificador da dor. Mudar de rota é natural e pode ser saudável quando ocorre em consonância com o estado emocional de quem escolheu mudar. Mas quando a transformação aparece sem aviso prévio, ela lateja em agudização.

As perdas acidentais costumam ser muito mais doloridas do que aquelas em que há um acompanhamento gradual da partida. As mortes repentinas – concretas e simbólicas – tendem a prolongar a estada na fase de negação do luto e é por isso que a dor se torna tão intensa. Negar uma realidade é ainda clamar pela reversão do que nos foi imposto. “Por quê?” “Não pode ser verdade!” “Eu não acredito!”

Como lidar com a sensação que se instala ao acordar e ver o trem fora dos trilhos? Existe algum antídoto que cesse a dor ou que amenize o incômodo agudo?

Não se fala muito sobre fazer contato com a realidade, mas, só quem passou por uma perda repentina sabe quão necessário é olhar para aquilo que se desfez. Quando visualizamos o corpo fragmentado, a ausência de batimentos cardíacos no monitor, as malas sendo feitas, a ausência da figura que costumava ser presente dentro de casa, atualizamos a nossa mente sobre a irreversibilidade da perda.

Neste momento, permitir que o sofrimento saia através de lágrimas, gritos e gestos incompreensíveis é autorizar a expressão do nosso eu mais primitivo e visceral, é se acolher e se abraçar pelo lado de dentro.

E abraçar o nosso avesso é se amar, é se curar.

Algumas tentativas de realinhamento podem ajudar a dissipar a raiva oriunda da revolta. Mas é fundamental reconhecer o momento de parar de tentar consertar aquilo que precisa ser jogado fora.

E então, oscilando entre choros, sorrisos, gritos, poderemos encontrar novos trilhos, outros trens também, e mais uma vez passarmos por tantas outras estações.


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