Quando começamos a ler sobre a história facilmente nos vemos apreendidos pelos nomes que aqui ou ali ficaram marcados como importantes. A disciplina história herdou alguns traços da ciência histórica no decorrer de sua formação. O resultado é que ainda vemos discursos que enaltecem pessoas, nomes, grupos ou fatos sem uma análise mais profunda dos processos em que estavam inseridos. A história sempre é “mais” do que conseguimos “absorver” dela. Alguns, inclusive, podem dizer que a história é “menos”, pois se trata muitas vezes de escolhas de “interpretação”.
Um professor da faculdade gostava de comparar a história com um espelho quebrado: você o observa e vê várias partes refletindo você. Parecem todas iguais, mas não são. Assim é a história, dizia ele. Cada fato emoldura uma parte, um aspecto do vivido, só que esse vivido envolve indivíduos diferentes com pensamentos, desejos, sonhos e atitudes bem distintas uns dos outros.
Daí se tem o caráter “perigoso” da interpretação histórica, que pode ser usada por qualquer corrente ideológica, de qualquer lado em qualquer situação, inclusive. Há aqueles que negam um fato ou outro e não porque realizaram uma extenuante pesquisa sobre o tema. É mais fácil aceitar ou negar uma história tendo por base unicamente suas convicções ou posicionamento ideológico. Lembre-se: ideologia todos nós temos.
Observem os nomes de praças, de ruas, nomes de escolas ou prédios públicos, bibliotecas e fundações, monumentos, as rodovias mais importantes e as menos conhecidas. Quem foram aqueles homens e mulheres que nomeiam os espaços que nos circundam? O que fizeram no passado de tão importante? Por que são considerados importantes? Que grupos ou ideologias representam?
As verdades explicitadas pelos nomes dos espaços construídos pela sociedade dizem muito dessa mesma sociedade. Aquela estátua sem nome no meio da praça que representa um grupo de trabalhadores possui traços físicos daqueles trabalhadores? O nome da sua rua é de alguém que emana algum exemplo a ser seguido? Se for um morador comum, tudo bem, pois as pessoas “comuns” precisam ser representadas também, não é mesmo? Mas que contribuição aquele nome deixou para a posteridade para ter garantido sua demarcação na história, seja do município do estado ou do país?
A história pode ser revista, repensada, refletida, pois, como toda ciência, é baseada em métodos próprios de pesquisa e análise para chegar-se a uma conclusão. Entretanto, quando falamos na dinâmica social, resultados ou conclusões nem sempre conseguem estabelecer tão objetivamente quanto se quer uma ciência. Esse dinamismo social é inerente à sociedade humana e por esse motivo somos levados a rever nossos passos a cada instante, a rever os fatos e valores que emolduraram nosso ser até onde hoje estamos.
Infelizmente o fenômeno do negacionismo está muito presente em diversas narrativas atuais, porém, são nesses momentos que precisamos ainda mais buscar as variadas fontes de entendimento do passado para poder compreender os processos que se desenvolvem no presente. Não corremos o risco de ser um povo sem memória, todavia, o risco de ser um povo com uma “memória única” parece tentador àqueles que querem dominar o presente pela sua história de “grandes vitórias”.
Ps.: deixo como indicação dois filmes que que assisti na semana passada sobre a colonização japonesa, no Brasil e nos EUA. O primeiro é “Corações sujos” (BRA, 2011), baseado no livro de Fernando Morais, está disponível no Youtube. O segundo filme é “Bem vindos ao paraíso” (EUA, 1990), um pouco mais difícil de encontrar, retrata os campos de concentração de japoneses nos EUA durante a II Guerra Mundial. Mas lembre-se: como filmes, ou obras de arte, não retratam a realidade fielmente, apenas apresentam um versão da realidade. Fica convite!