Nem tudo está perdido
Num ano metido a desgraçado
Amaldiçoado é quem a tudo amaldiçoa
E assim amaldiçoando esquece dos dias de sol
Só vive nublando e, nublado, iludido com o opaco
De um moroso dia apagado
Viver a vida exige também momentos de lagarto
Seja sob o sol escaldante, ou
Sob uma sombra ondulante
Ou, ainda, encolhido com seus semelhantes
Quarando todo mundo amontoado
Morrendo de medo, uns
Morrendo de verdade, outros
Outros ainda, blasfemando contra tudo e todos
Culpando deuses e demônios, a natureza e todos os fenômenos
Aqueles que patinam em seus próprios problemas
Dizendo a cada segundo como tudo nesse ano já era
Mas desse tipo de pessoa, o que se espera?
Há quem vive esperando, não é mesmo?
Sentado ou caminhando, de um lado a outro lado
Sem ir nem ficar, embora nunca esteja parado
E não há conselho que se diga que erga quem nunca se dá
Por caído
Retraído também fica aquele que só indica
Que o erro está sempre do outro lado
Porque tudo gira ao redor do seu umbigo
É, nesse caso, esse ano tá realmente perdido
Para quem já desistiu de encontrar novos sentidos
Há quem perdeu o emprego
Outros perderam o medo
Outros perderam pais, mães, filhos, amigos
E nós e vós continuamos vivos
Nem de longe conseguimos sentir a dor
De quem chamamos de próximo
Hoje, afastados, isolados, tentamos nos manter conectados
Há quem amaldiçoe mais esse ano
Há quem tenha perdido um ente amado
Alguns voltam-se ao seu casulo vestindo seu luto
Porque toda dor exige de nós um calar-se,
Um grito e um afago
Há quem tenha ouvido, há quem tenha contemplado
A experiência, a vivência de mais um ano
Se o que nos torna humanos é relacionar-se
Esse ano só será histórico se nos servir de aprendizado.