Wagner Fonseca – poeta, professor e blogueiro
Em alguma medida, maior ou menor, somos hipócritas e na maioria das vezes sequer percebemos. Recorda-me uma passagem bíblica citada por um livro, aquela famosa cena em que a multidão furiosa leva a prostituta (ou mulher adúltera) até Jesus e ele, calmamente, aperta a ferida de todos: “Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra”.
Nos últimos tempos o que mais temos visto são pedras voarem por todos os lados. Cada pedra um julgamento e as redes sociais tornaram-se um campo pedregoso difícil de se caminhar. O rumo que tomamos enquanto país é o da polarização que cresce vertiginosamente. O erro está sempre do outro lado em que não estou.
No espectro político a situação só tende a piorar, pois os discursos já não carregam mais ideias embasadas em argumentos solidamente construídos. Grande parte das pessoas sequer se dá o trabalho em se aprofundar mais naquilo que “ofende” ou pronuncia, ou, quando o faz, só busca as fontes que garantam suas próprias verdades.
Notícias falsas, achismos e opiniões baseadas em informações poucos confiáveis veiculadas por aplicativos de celular sem qualquer filtro de verificação ditam as crenças populares em seus novos mitos salvadores pátria. Construímos um pandemônio político-religioso pronto a explodir e ainda fazemos piada disso. Na China pós-revolução cultural, o líder político Mao Tsé Tung chegou a ter sua imagem elevada ao nível de “mito” e vivia estampada em todos os lugares.
O “grande irmão” de Orwell exemplifica bem essa situação, quando o povo elege seu santo milagreiro que guiará seu país ao futuro promissor. O “grande salvador” da pátria está de olho em você o tempo todo pelos olhos de seu séquito que só enxerga o que lhe convém, de preferência o totalitarismo perfeito do seu partido. O resto, bem, o resto está do outro lado que não o meu, ou seja, o lado errado.
A hipocrisia nossa de cada dia é servida em pratos de papel descartável. Hoje se propõe o boicote à rede de tevê que ontem trabalhou para tirar nosso inimigo do poder, mas hoje elegeu nosso salvador como inimigo dela. Como disse, somos todos hipócritas. A polarização burra já tomou conta das ruas, das conversas e das redes sociais, nossa pior parte. Atrás da telinha mágica acreditamos ser os chefes, entretanto somos os comandados apenas repetindo como papagaios qualquer verdade já repetida por outros, desde que se enquadre em nossa perfeita visão de mundo. Ideologia, visão de mundo.
Voltando à cena bíblica, e o que ainda podemos aprender com tal mensagem, os algozes da mulher pecadora queriam que o afamado Jesus desse seu veredito seguindo a lei que era para todos. Legal é moral? Até onde? O messias, então, rabiscando o chão com o dedo calmamente pensa antes de “julgar” alguém, por pior que fosse seu erro. Nós não temos calma, nós não pensamos antes e não medimos nossas palavras.
Deveríamos todos nos rebaixar, rabiscar com calma nossos ódios interiores, mensurar cada cenário antes de emitir qualquer julgamento. Não o fazemos. Seguimos a máxima de apontar um dedo, sempre sujo, com outros três voltados para nós. Será o mal que vejo no outro o mesmo mal que não aceito e não enxergo em mim?