A cidade escondeu o rio, a cidade tenta esconder o rio. O governo, que deveria investir em entender o rio, que deveria investir em possibilitar o amor pelo rio, o governo, que deveria ser do povo, pelo povo e para o povo, prefere esconder o rio. O rio, para muitos já não é mais rio.
Onde está o rio hoje? Onde está o rio agora? Ainda há vida no rio? É, ainda há vida no rio, não aquela desejada por nós, aquela vida límpida e que emoldura um passado onde ainda as pessoas pescavam e se banhavam com alegria em suas tardes ou manhãs de domingo. O rio agoniza hoje e antes ele vivia sorrindo.
O rio é artéria na cidade, uma artéria doente que carrega outras doenças para o corpo da cidade. Muitos habitantes sequer sabem que há outros rios e classificam a todos como valo ou esgoto. São tantas formas de desqualificar um “ex” leito de vida.
Onde está o rio?
O rio agora corre enclausurado no concreto armado. O nome “pomposo” para tamanho investimento aparece na placa do governo ao lado do vultuoso valor utilizado para domar as águas do rio: mas ele não mais é rio, ele doravante chamar-se-á “canal auxiliar”. Eu me pergunto, a quem ele auxilia…
O mundo arde de calor e arde até no frio. No passado recente ainda se viam e ouviam os mais velhos observando o tempo e fazendo suas previsões. Uma leve e breve memória que se apaga mediante a telinha luminosa de nossas caixinhas mágicas que carregamos a mão. Alguns cliques e já sabemos se choverá ou não. Uma mensagem eletrônica e já vem a notícia que raios, tempestades e alto volume de água cairão sobre nós.
A tecnologia nos envolve e até “resolve” o mau cheiro do rio. O mau cheiro não é dele, nunca é. O mau cheiro é apenas o resultado da nossa “qualidade de vida” e conforto desmesurado caindo pelo ralo. Quem fede mesmo somos nós, por isso não podemos mais usar os benefícios do rio.
Todavia, o rio, mesmo agonizante, espera a chuva torrencial e mostra que não pode ser domado. Toda aquela tecnologia e o rio explode de suas precárias ribanceiras e avança sobre a urbanidade. Cospe para cima nossas próprias sujeiras e enlameia nossas ruas. O rio nos dá o recado. Tardiamente estamos aprendendo o que significa o rio e o que mais poderia significar se soubéssemos com ele conviver. Em vez disso tentamos destrui-lo sem sequer pensar nas consequências. Era o progresso, diziam. São os frutos do progresso, ainda dizem. Frutos podres como as águas que correm silenciosas. Silêncio é que se ouvem quando as autoridades são questionadas se podem salvar algum rio. Será que mais alguém quer salvar o rio?
Rio Criciúma: a cidade quer escondê-lo
No dia oito de dezembro de 2018, o GEPHAE – Grupo de Estudo e Pesquisa em História Ambiental e Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesc, juntamente com outros convidados, realizou uma expedição urbana à uma das nascentes do Rio Criciúma. O objetivo era registrar algumas imagens sobre o rio que atravessa o município de Criciúma e vem sistematicamente sofrendo com o avanço do progresso.
Daquela expedição algumas ações serão realizadas no intuito de estimular o debate sobre o meio ambiente, nesse caso em especial sobre a situação do Rio Criciúma, um leito de água que já se torna esquecido de muitas pessoas que sequer o chamam de rio. É o esgoto, propriamente dito. Um rio destruído, massacrado, um rio enclausurado por ter sido “agraciado” com o fato de uma cidade crescer literalmente sobre ele.
Nesse dia 22 de março, dia mundial da água, algumas ações já se concretizarão para chamar a atenção da sociedade sobre a necessidade da preservação e de se repensar o papel que um rio tem em meio ao concreto armado do mundo urbano. Os altos investimentos em tentar domar as águas poluídas de um rio se justificam? Será que a população não preferiria ter a possibilidade de um dia poder, ao menos, caminhar ao lado de um rio em meio no centro de sua cidade sem ter que evitar o mau cheiro que dele emana?
A tarefa de preservar o pouco que nos resta é urgente. Refletir sobre os problemas ambientais é algo que permeia todos os níveis da sociedade e deve ser encarado com mais urgência ainda se quisermos que nossa civilização sobreviva mais algum tempo nesse planeta. Afinal, o mundo começou sem nós e se nossas ações não mudarem, sem nós continuará.
Ps.: não nos esquecemos do rio Mãe Luzia, rio Sangão e tantos outros rios destruídos no Sul catarinense.