Cantava Renato Russo em um de seus versos que “a violência é tão fascinante” e, sem sombras de dúvida, ele não errou com essa afirmação. A violência nos fascina tanto quanto o poder no embriaga. Ambas ilusões, entretanto, ilusões que ferem e matam, e a morte, assim, se torna algo corriqueiro. A morte violenta.
O poeta Russo também cantou em “Índios” que “nos deram espelhos e vimos um mundo doente”, tal qual hoje se apresenta nossa sociedade. Aimé Cesaire expressou em uma de suas falas que uma civilização que não consegue resolver os próprios problemas que cria já está doente. Para um olhar mais radical, a civilização humana é, em si, uma doença, vide todo o mal causado pelo progresso do ser humano sobre o planeta. Foi a civilização europeia, por exemplo, que invadiu continentes, destruiu povos e nações por considerá-los inferiores na tentativa de justificar os porquês de expropriar as suas riquezas.
Cesaire, assim como Fanon, já afirmava que a colonização destruía o colonizado e também o colonizador. O “perdão” são os livros de história que narram a “bravura dos desbravadores” contra o selvagem mundo bárbaro. O continente africano sofreu e sofre ainda hoje as mazelas perpetradas por um pensamento erigido na crença da superioridade branca. O mesmo ocorreu com povos milenares no solo asiático. No Brasil e em todo o continente americano a violência colonialista não foi menor.
Com a intenção de espalhar a fé cristã e enricar na América, milhões de europeus escravizaram e destruíram longevos povos nativos. Destruíram sua história e cultura, aculturaram a paisagem. Nomes de ruas e praças hoje homenageiam bandeirantes, bugreiros, aventureiros e outros “caçadores” de índios em todo o continente. A violência, enfim, endeusada, mitificada.
A violência contra o outro fascina e é glorificada. A violência do outro é temida, classificada, demonizada e, por esse motivo, deve ser eliminada. O colonizador, no Brasil, na África, na Indochina, tiraniza, tiranizou, massacrou povos legítimos. O colonizador, colonizando, levou seu ideal civilizatório contra a “imunda barbárie”. O colonizador demonizou o outro, assassinou-o sem permitir-lhe defesa. O colonizador, colonizando, barbarizou-se a si próprio. A violência é tão fascinante…
Nossa cultura hoje é reflexo daquela violência cultural institucionalizada e ainda temos isso entranhado em nossas almas. Como recorda um professor meu, a palavra escravidão emociona menos que a palavra holocausto. Nenhuma morte, contudo, deve ser celebrada. Todavia, nenhum genocídio deve também ser esquecido. Observe, atentamente, as produções cinematográficas e tente listar as “grandes produções” que versam sobre os genocídios colonialistas. A violência que fascina parece também hierarquizar sentimentos como o ódio, compaixão e vingança. Se nos derem espelhos, ainda veremos um mundo doente…