Wagner Fonseca – poeta, professor e blogueiro
Você percebe que o sistema sabe alguma coisa quando você começa a perceber o sistema. Você percebe que o sistema te percebeu há tempo! E quando você percebe isso, essa percepção torna-se um incômodo. Um prurido em sua alma a te recordar o quão maravilhoso você é e, muito mais além, o quanto maravilhoso você pode ser! Confuso? Bem, essa percepção é tão profunda em sua alma que você praticamente ouve ela te obrigar e ser mais maravilhoso ainda! Você se sente um superser capaz de tudo e mais ainda! O sistema te pegou.
Observe bem o sistema agir em você: é a maravilha do universo. Alguém sacou isso há muito tempo e disse que tu atrairás tudo o que buscar. O universo nos ouve, com certeza, porém mesmo o universo não é grande o suficiente para nos satisfazer! Graças a essa nossa infinita capacidade desejar coisas cada vez mais complexas e cada vez mais distantes, nós mesmos criamos a tecnologia necessária para nos satisfazer. Desde a tecnologia, física, como rodas e motores, à tecnologia digital e virtual capaz de nos satisfazer infinitamente e ao mesmo tempo nos deixar mais dependentes ainda; e, podemos dizer, dessas duas manifestações tecnológicas uma terceira (ou primeira, ainda não sei) tecnologia, que alguém dirá tecnologia mental. Somos a terra, o adubo e a semente ao mesmo tempo, nos tornamos isso. Não satisfeitos, somos quem planta e quem colhe e, principalmente, quem consome. Consumimos ou, nos consumimos. Nos produzimos como oferta barata à devoção alheia. Nos produzimos como oferta barata ao consumo alheio. Somos a boca eternamente faminta e a comida que por ela adentra feliz e alegremente nutritiva.
Adentramos em qualquer rede e lá está o sinal daquilo que percebemos no início: o sistema sabe de algo, sempre sabe. O sistema sabe de nós mais que nós sabemos. O sistema nos conhece tal qual sua onipresença pouco se anuncia. A não ser que você tenha tomado consciência disso. Não se alegre, pois ninguém o congratulará por sua “descoberta”. Apenas fique levemente feliz por ter encontrado a toca do coelho, resta saber se o que encontrou é a entrada ou saída. Graças a essa dúvida nenhuma felicidade mais poderá incidir sobre você nesse momento. Hora de refletir e remoer a filosofia da humanidade. Hora de questionar o mundo e questionar o sistema.
Entre em sua conta na rede social: suas fotos, suas publicações te levarão à centenas, milhares de perfis “iguais” ao seu. Seus olhos brilharão ao descobrir que muitas pessoas pensam como você. Várias pessoas felizes compartilhando tantos e tantos momentos felizes, superando limites, conquistando os maiores e mais difíceis picos, saudando a beleza da natureza nos lugares mais remotos, provando a tudo e a todos a maravilha de ir além! Você não é o único! Mas você não poderá seguir a todos, você nem sequer tem dinheiro para visitar os mesmo lugares, comer os mesmo sanduiches, fazer as mesmas dietas! Você não poderá ser tão feliz como os outros são! E a inveja, a ganância, a possibilidade de se planejar se apertarão no horizonte das suas próprias possibilidades! “Você pode!”, dirá algum guru qualquer, algum livro qualquer, algum amigo qualquer. Não, você não pode, todos não podem e você ainda sofrerá por saber que, mesmo que possa, outros não poderão. Afinal, você se preocupa com o mundo e com o próximo ainda, não é mesmo? O sistema sabe, o sistema também é você. E você também pode fazer ruir o sistema.
O que você faz?
Chega de fotos lindas. Chega de expor suas melhores frases. Chega de expor-se como objeto de consumo. Chega de ser você.
Você foi onde outros não foram antes de você. Isso não importa mais.
Você fez a foto mais linda antes que alguém a fizesse.
Você criou a frase mais bela do poema mais belo antes que outro poeta criasse.
Você teve o corpo malhado antes que os outros tivessem.
Você foi o avatar do desejo antes do desejo existir.
Você foi o ás na manga quando todos usavam regatas e achava essa piada engraçada.
Você ainda pode sorrir com honestidade e ser feliz por entender o sistema? Ou você sabe que de alguma forma o sistema ainda te vê como um seguidor quieto e infeliz do algoritmo?
Nova reflexão: você nunca fez nada antes dos outros, você nunca foi primeiro, nem último. Você não é o novo profeta nem descobridor e seguidor da nova profecia. Você é o coelho, você é Alice, você é o espelho.
Vá lá: uma nova cachoeira, uma nova balada, um novo sorriso e uma nova alegria superficial. Alimente o sistema, ele te deseja e você não pode escapar dele. Quando você não existir mais, ele ainda continuará.
E aí, mudou o que saber disso tudo?