“Disciplina é poder!” Eis o lema a mover os acontecimentos narrados no filme “A onda”, de 1981. Sua versão mais recente, de 2008, leva tal ideia a extremos.
Palavras de ordem sempre repercutem alto nos anseios humanos, geralmente sintetizam os sentimentos de forma simplificada, na maioria das vezes de forma irrefletida mais profundamente, embora denotem a complexidade de sua atuação. Para alguns, uma minoria talvez, as palavras de ordem tornam-se as máximas de suas metas finais, por isso mesmo muitos sequer refletem sobre o que podem significar. Para os que estão no comando é melhor que seja assim, afinal, não buscam reflexão por parte da maioria.
O filme “A onda” (The Wave, EUA, 1981) baseia-se em uma experiência realizada em sala de aula nos Estados Unidos no ano de 1967. Um professor de história do ensino médio se viu “encurralado” com uma pergunta a qual não soube responder enquanto explicava aos alunos sobre o nazismo e a II Guerra Mundial. Em sua exposição comentou aquilo que a história nos ensina: após o fim da guerra a maioria da população alemã sequer sabia dos campos de concentração e dados afirmavam que menos de 10% da população pertencia oficialmente ao partido nazista. Então, uma aluna abalada com a quantidade de mortes, questionou o professor sobre como a população poderia não saber, como passaram incólumes diante daquele genocídio. O professor ficou sem palavras, não sabia o que dizer. Nós mesmos, atualmente, não conseguimos explicar a violência diária, como explicar um genocídio “mascarado”?
O filme de 2009, também intitulado “A onda” (Die Welle, ALE, 2009) atualiza a ideia e nos traz um filme, digamos, mais “aprazível” ao nosso gosto visual atual (lembrando que o filme de 1981 fora concebido com parcos recursos em meros 45 minutos). Die Welle se passa na Alemanha contemporânea, mostrando um país moderno, uma escola com uma estrutura de dar inveja (mas que ainda mantêm, também, seus quadros de giz!) e situações um pouco diferentes do filme de 1981.
Na versão americana a atuação é ambientada em uma universidade. Infelizmente, a versão que se encontra na internet possui uma qualidade muito ruim, inclusive com erros no áudio. Deixando questões técnicas de lado, o filme explora rapidamente a forma como o professor encontrou para explicar aos alunos o que significa um governo totalitário. Começou com uma brincadeira impondo ordem e disciplina sem que os alunos percebessem sua manipulação. A ideia era justamente mostrar como ansiamos por ordem, disciplina e controle. Frases de ordem completavam o “teatro” do professor: “Força pela ação!”, “Força pela comunidade” e um total mascaramento da realidade que impossibilitava alguém ficar de fora da “Onda”, que eliminava individualidades em prol do bem maior. Os mais tímidos foram inseridos no grupo junto aos mais fortes, porém, os mais independentes foram excluídos e perseguidos.
A perseguição do “diferente”, do “divergente”, faz parte do enredo da versão de 2009. Um lembrete aos colegas professores: a personagem do menino Tim Stoltefuss é um bom exemplo para questões de bullyng. A turma de ensino médio comandada pelo professor anarquista – que vira sua cabeça com o poder que lhe é concedido – parte rapidamente da disciplina e controle para a ação. A discussão do Sr. Wenger com sua esposa expõe alguns conflitos comuns entre casais de professores e professores em geral – e o pobre professor queria apenas ensinar e ser ouvido. Aquela máxima de dar poder a um homem para saber quem ele é serve também para ilustrar a mudança de atitude do professor, antes um libertário e militante anarquista, convertido agora a uma figura tipicamente ditatorial: acredita nas próprias verdades que profere e se deixa levar cada vez mais pelo crescimento do seu ego. Surge-nos uma dúvida: como jovens de famílias de classe média se deixaram levar facilmente pelas ideias do Sr. Wenger? Entram aí os conflitos do jovem Tim, a quem o pai dá pouca importância, a falta da família de Marco, outra personagem chave da história, e assim por diante.
Ambos os filmes tocam em vários pontos importantes, da educação à política, e atingem em cheio uma massa sempre disposta a extremos, que é a juventude. A adolescência e todos os seus reveses também é o momento de firmar-se como pessoa, construir laços e ideais para uma futura vida adulta. A atuação do professor, em ambos os filmes, simboliza muito bem o poder que se pode ter às mãos, de influenciar as jovens mentes. Por outro lado, caracteriza fortemente o quão tênues são os laços familiares e sociais de uma geração que “não tem mais nada pelo que lutar hoje em dia”, como relembra um personagem no início do filme de 2009. Talvez não haja muito a fazer para jovens de um país rico como a Alemanha, oposto da realidade brasileira.
No tocante à questão política é que os filmes se destacam. Em poucas frases uma aula de história é passada sobre como se formam as ditaduras: inflação alta, desemprego, insatisfação política e social, ou seja, momentos de crise. São nesses momentos que surgem os “führer”, os “duce”, os salvadores da pátria com soluções violentas tidas como justas para pôr ordem no caos causado justamente pela violência que se avoluma (como dizem meus alunos, parece o Brasil…).
“A Onda” é mais que um simples filme (ops, dois filmes!): são duas obras para reassistir várias e várias vezes, para se analisar e se comparar com a realidade do nosso Brasil, por exemplo. Antes de almejarmos um salvador da pátria, um líder incomparável, justo, incólume perante os arroubos de corrupção que vemos diariamente nos jornais, precisamos repetidamente refletir sobre nosso papel de cidadãos, sobre o poder que emana da nossa individualidade e se queremos realmente que alguém mande com punhos de ferro em toda a sociedade. Porque chega a ser revoltante ver as pessoas baterem no peito pela inveja da democracia estadunidense e europeia mas defenderem a volta da ditadura em nosso maculado país.