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Um mundo que se remodela a todo instante

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A modernidade se liquefaz, já nos ensinava Bauman. A efemeridade do estar aqui se desvanece clique após clique no teclado do meu computador ou mesmo na tela do celular. Lá, assim como aqui, já arquitetamos golpes de estado, revoluções e retornos à Mãe Terra. Embriagamo-nos na lucidez fluida de breves sonhos de veteranos na arte de sonhar. Já nem sonhamos mais.

Acostumados a acordar num mundo em que o sentido de ser é tão amplamente vazio quanto o próximo passo a ser dado, vamos construindo arquipélagos de existências banais do nosso próprio existir. Somos demasiadamente improváveis a cada novo instante e a cada novo flash para a próxima maré de likes. O que importa pouco importa, na verdade, e a verdade assemelha-se cada dia mais ao reflexo cubista de uma essência qualquer de ser unicamente verdade.

Os últimos anos têm sido realmente uma provação para mais velhos, para os menos velhos e para os mais jovens que tendem a se perder entre ser jovens demais sem realmente sê-lo ou embrutecidos na rabugência de sua “velhice” precoce. Sinais dos tempos? Ah, sim, com toda certeza. Há um satanás para cada pecado novo inventado ou sonho inocente abandonado. Aliás, há um pecado novo a cada nova esquina ou um frêmito preguiçoso de luxúria escaldante acompanhando cada novo passo individual. Há um caos insensato em cada piscar.

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Os rituais do passado já estão fossilizados na memória coletiva e esta mesma já se tornou um invólucro fossilizado de si mesma: não guardamos nem mesmo o que lembramos… Se é que conseguimos recordar algo sozinhos sem ter que recorrer à nossas reluzentes caixinhas de Pandora digitais. Ou seriam nossas cavernas modernas? Se Sócrates vivo fosse com certeza nos chamaria de homens da caverna, mas algum pensador mais moderno diria-nos, talvez, que ainda estamos lá, trancafiados com todas nossas mazelas, nosso egoísmo, inveja e incapacidade de romper os grilhões. Quem sabe seja exatamente por isso que as explicações mais simplistas têm evocado multidões a repetir certos mantras tão grotescamente odiosos quanto o próprio ódio que emanam.

Dar tempo ao tempo já não é mais necessário: precisamos é dar tempo a nós mesmos e se preciso, cortar um pouco nossas línguas, limpar nossos ouvidos e apontar menos para o mundo. Sartre dizia que o inferno são os outros. Meu professor dizia que o inferno somos cada um de nós, pois somos os outros dos outros. E quem quer saber dos outros? Quando perguntei em sala de aula quantos oravam para além de si próprios e de sua família a resposta foi meio acabrunhada. É a velha história da Miss Simpatia (para quem recorda o filme): tem que falar da paz mundial! Mas se ganhar na megasena, como disse um aluno, que se danem os outros! E cada um de nós é o que, senão um pouquinho desses outros?


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