Há um saudosismo estranho em estudar. O som da chuva caindo lá fora e as gotículas em seus desenhos tortos na janela. Abre-se o livro, outro livro, abre-se o caderno. Há uma nostalgia insana em estudar.
O estudo exige o meu eu em mim, de mim o meu eu perde-se na guerra dos Cem Anos. Céus! Será que suas lanças faziam parábolas perfeitas no ar? Meu eu retorna nos limites do Velho Mundo entre tantas doenças e não consigo me decidir entre a geografia e a biologia. As trevas tomam minha idade à velocidade da luz e de repente paro: fico inerte e inerte tenciono ficar. Então precipito na queda causada por uma gravidade que sequer sei de onde vem. Acordo no chão entre livros, mapas, lápis e papéis amassados. Há um saudosismo estranho em estudar.
Quando criança brincávamos de escolinha. Quando crianças, brincávamos, ainda. Quando brincam as crianças hoje? Quando estudam?
Minhas brincadeiras perdiam-se em mapas que eu gostava de criar. Arquipélagos, istmos, penínsulas, cabos, golfos, rios, lagos e montanhas. Uma miríade de paisagens pintadas à lápis de cor, depois giz de cera, ‘canetinhas hidrocor’. A imagem na tevê eu reinventava no papel tanto quanto os quadros de artistas famosos reproduzidos nos livros didáticos. Os gibis me auxiliavam muito e a série Vagalume era meu tesouro! Ainda guardo outros tesouros: álbuns de figurinhas de dinossauros!
Era brincadeira e era estudo ao mesmo tempo. Engenheiros nos formávamos brincando de carrinho. Um pedaço de madeira ou de lajota e lá estávamos abrindo estradas! Há, pois, uma nostalgia alegre em brincar. Desbravávamos o mundo com nossas monaretas e aprendíamos diplomacia nas regras de nossas brincadeiras. Mesmo brincando de casinha com as meninas – e olha que nem ligávamos para preconceito – já iniciava em nós as pequenas noções da vida em família, do respeito e da responsabilidade.
Estrategistas em nossas guerras de torrões, estrategistas brincando de esconde-esconde, velocistas no pega-pega. Até nossas brincadeiras maldosas com girinos e sapos faziam-nos biólogos. É, hoje sabemos o quão malvados éramos. Pobres girinos explodidos com água de seringas. Pobres formigas e moscas alimentando as aranhas. Assim estudávamos, de maneira torta, a biologia. Um pouco mais inocente era encher a entrada do formigueiro com obstáculos para comprovar a engenhosidade das formigas.
Hoje consigo enxergar em cada brincadeira o estudante que era. O delicioso vicio de viajar no atlas que até hoje guardo. Aprendi muita ciência, mas também aprendi muita religião lendo e relendo a bíblia em quadrinhos, guardada também.
A idade, porém, avança e os estudos se tornam cada vez mais complexos. Após um elevado grau de entendimento, uma fagulha aquilata-se no intelecto: naquele passado sempre presente repousa o estudante que brincava, o estudante que estudava, o estudante que se formava na simplicidade. Aquele estudante ainda estuda e quer continuar estudando cada vez mais, porém, não tem mais medo de se perder ou enlouquecer. O estudante, com prazer, ainda estuda. Às vezes algum medo o persegue e logo e se dissipa. Fica apenas o sentimento leve de que há sempre uma nostalgia estranha em estudar.